Ainda existe um grupo seleto de pessoas que usam o orelhão, apesar da imensidão de celulares espalhadas no mundo inteiro, desde os mais simples aos mais sofisticados e com tecnologia altamente avançada.
São pessoas que precisam se comunicar com algum parente à distância e recorrem a essa orelha enorme, que apesar de resolver o problema, causa situações constrangedoras. Eu mesma já necessitei do orelhão. Na época em que o celular era só para os ricos. Quantas vezes falei com minha irmã que mora em Guarujá. Aquelas fichinhas eram demais… ou de menos! Quantas vezes minha voz ficou perdida no eco da inadimplência das fichinhas…
Dia desses observei um cidadão usando o orelhão. Ficou no meio do caminho. Assim que inseriu o cartão, começou a contagem regressiva. Resultado: ele não disse o que queria dizer, nem escutou o queria escutar. O cartão zerou. Mas ele tinha outro e aprendeu a lição. Não quis saber se a pessoa do outro lado estava bem, não quis saber de nada. Apenas acelerou a voz, deu o recado e siquer se despediu. Virou mal educado. ( risos)
Naquela época , sem ser solicitada, por apenas haver compreendido, passei a orientar os usuários “orelhanos”, dizendo que assim que iniciasse o diálogo ou quem sabe o colóquio, não perguntasse por fulano, não dissesse nada mais além do restrito ou usasse a conhecida frase: ” nada a declarar, só com meu advogado”. O cidadão (ã) , dizia eu na minha orientação, deve estar preparado para dizer somente: alô? ligue para mim, tchau!
Abordei esse assunto para que a gente valorize a tecnologia, sem nos desumanizarmos. Que bom termos o pequenino celular que atravessa fronteiras, une os continentes, abrange todas as raças… Mas precisamos ainda debruçar o nosso olhar por sobre uma minoria que ainda depende de um orelhão. O que podemos fazer? Preservarmos esse grande ouvido que garante um intercâmbio familiar mesmo apressando as palavras. Tudo é comunicação!
Quantos recado são dados
Debaixo de um orelhão
Quantas lágrimas derramadas
Que vão caindo no chão.
Alô? É você, amor?
Por que não escreveu mais?
Estou cheio de saudades e o peito sangra de dor.
Você falou com seu pai?
Já outro, discando errado
Não consegue ouvir a fala
Ouve sinal de ocupado
E mesmo assim não se cala.
E a mamãe tão aflita, ligando para São Paulo
Quase nem acredita ao ouvir a voz de alguém:
Sou eu, o seu filho, Carlos!
E eu fico observando cada rosto no orelhão
Sentimentos se misturando: alegria, guerra e paz!
Um implorando perdão, outro gritando fwerido:
Não voltarei jamais!
E o telefone não pára de transmitir
Mande logo esse dinheiro, senão eu não posso ir!
E pra completar meu dia, chega alguém desconfiado
Tentando uma ligação para um recado feliz
E o pobre homem do campo só discava o número errado
Impaciente e com dó disqueim pra lá e pra cá
Finalmente consegui!
E ele, gesticulando, gritando emocionado:
Mulher, chego hoje, tudo foi realizado!
E o orelhão não descansa a ouvir deixas e queixas
Recados que nserão pagos, por outros, no outro lado!