Compreender o fenômeno Ciel não é fácil. Atacante veloz e de qualidade, ganhou destaque em pouco tempo de carreira e foi contratado pelo Fluminense em 2008 a pedido de Cuca. Em seis meses, participou de sete jogos e não fez gol. Para piorar, a conduta fora das quatro linhas foi reprovada.
Antes até de ganhar dinheiro, ele já enfrentava problemas com o consumo excessivo de álcool nas noites nordestinas. Hoje, em nova chance, aos 28 anos, voltou a brilhar pelo ASA-AL na Série B, superando dois afastamentos no clube em menos de seis meses.
Não é difícil notar que o jogador nascido em Caruaru-PE faz a diferença na equipe do técnico Vica. Seus sete gols nas últimas cinco rodadas fizeram o ASA pular do 14º para o oitavo lugar.
Tradicionalmente de movimentação pelas pontas, ele ocupou a lacuna deixada por Júnior Viçosa, centroavante de área que foi para o Grêmio. Em desabafo por telefone, ele lamentou o tempo perdido, admitiu que errou muito pela fraqueza com a bebida e revelou a vontade de jogar pelo Palmeiras.
– Meu foco é terminar o ano no ASA, que me acolheu. Agora, estou podendo corresponder. Mas é claro que ainda planejo um salto na minha carreira. Errei, mas muito do que saiu na imprensa é mentira. Só porque tenho esse rótulo, por qualquer coisa dizem que o Ciel está metido com bebida. Se estivesse assim todos os dias, como estaria metendo tantos gols? Mas não me abalo com isso, pois tenho Deus ao meu lado para superar de vez o problema. Desde pequeno, sonho vestir a camisa do Palmeiras. Com trabalho e dedicação, espero conseguir.
Ciel rejeita o status de estrela do time de Arapiraca, debutante na competição, embora as palavras dos companheiros possam indicar o contrário.
– O pessoal vive me dizendo que eu não deveria estar onde estou, mas só uso isso como incentivo. Se eu achar que sou muito, não me fará bem. Nossa palavra é a humildade. O presidente diz, e nós confirmamos: a meta do ASA não é subir para a Série A, é ficar na B. Agora, estamos unidos e caminhando, perto do G-4. E quem é que não quer fazer história?
Série de deslizes
Dispensado pela diretoria do Fluminense, que não suportava mais suas escapadas, o atacante repetiu a trajetória de altos e baixos no América-RN, em 2009. Arrebentou em um clássico contra o ABC, mas semanas depois chegou ao que parecia ser o fundo do poço: foi preso por acusação de agressão a uma prostituta. Na ocasião, nem mesmo sua esposa, Rutilene, quis buscá-lo na cadeia, ao saber a razão da confusão. O atacante foi internado em uma clínica de reabilitação, mas só aguentou ficar lá por três dias.
Uma nova chance para Ciel surgiu quando o empresário Márcio Bittencourt, que adquirira seus direitos econômicos ao Villa Rio, fechou negócio com o Paços de Ferreira, de Portugal.
Antes da metade da temporada, no entanto, Ciel sofreu uma recaída e apareceu em um treino ainda sob o efeito do álcool, segundo relatos do clube. Nem o nascimento de sua filha, Sarah Yasmin, o sossegou no Velho Continente. Após uma transferência frustrada para o modesto Guarany-CE e a ida para o Corinthians-AL, surgiu a chance no ASA para ele ressurgir.
Mas o retorno das boas atuações – e de alguma estabilidade – não durou. Em julho, foi suspenso por apresentar-se embriagado na concentração. A atitude repercutiu até em Portugal, sob lamentos da imprensa, que o tratava como “enorme talento” e lembrava que sua vida “pendia perigosamente para o abismo”.
Reintegrado, ele ganhou posição no time, marcou cinco gols na Série B, mas outro episódio quase pôs tudo a perder. Ciel se machucou sozinho no começo de uma atividade e foi acusado de ter curtido a noite anterior bebendo. O clube teria rescindido seu contrato se não fosse o acordo costurado pelo empresário. Como o atacante está emprestado, não cabia ao ASA tomar a decisão unilateral, sob pena de multa. Um comunicado oficial foi divulgado, afirmando que “o jogador se demitiu sozinho” e que “não seria possível tolerar tal comportamento antiético”.
O presidente (Zé da Danco) fez uma reunião e me telefonou um tempo depois, quando eu estava em Fortaleza me recuperando da lesão. Eu disse que nada me faria mais feliz do que ajudar o ASA de novo. O que aconteceu, desta vez, foi o seguinte: saí para jantar e tomei, sim, duas cervejas e uma dose de uísque, mas foi só. Outro atleta havia sido visto, e a culpa caiu sobre mim. Foi injusto, eu já estava melhorando, me pegaram de surpresa. Mas prometi a mim mesmo que tudo seria diferente, não vou deixar cair – confirmou.
Emoção com alegria da mãe
Passadas as turbulências, Ciel diz que se emociona com cada ligação da mãe, dona Albertina. Segundo ela, em Caruaru, em vez de criticá-la porque “o garoto aprontou de novo”, as pessoas estão batendo à sua porta para exaltar a fase do filho em campo.
– Ela fala: “Meu filho, você não sabe a alegria que está me dando”. Fico arrepiado. Não quero que minha família escute coisas ruins de mim, é chato. Minha filhinha já identifica os gols do papai na televisão. Preciso cuidar do futuro dela. Ainda não é muito, mas tenho ajudado meus irmãos com dinheiro também.
Técnico do ASA, Vica faz elogios ao caráter de Ciel. Para indicar o envolvimento do jogador, ressaltou que, mesmo suspenso, ele pediu para viajar com a delegação para Salvador, para o jogo contra o Bahia no sábado. O objetivo é não cair na tentação por estar de folga.
– Ciel é uma pessoa maravilhosa, tem um coração enorme. Às vezes, faz mal pra ele mesmo. Mas está sempre bem condicionado e nunca faltou a um treino. É acima da média, pena que tenha esses problemas particulares. Se precisar, ele chora quando desabafa. E estamos aqui para ajudar, como pessoa e profissional. Em breve estará em um time grande. A volta dele tem sido fundamental para o crescimento do time. Acho até que ele será o artilheiro da Série B – crê Vica, lembrando que seu pupilo está a quatro gols de Ciro, do Sport.
O meia Didira também não tem o que reclamar do companheiro.
– Ele voltou a ir à igreja e ganhou nova oportunidade. Já falou certas coisas erradas, mas estava de cabeça quente e o perdoamos. Dentro de campo há o respeito e, com a qualidade dele, nós todos ganhamos.
Futuro de Ciel
Em alta, Ciel já tem sondagens de clubes de maior porte para 2011. A questão é que, em razão de seu passado – e desconfiança com o presente -, as ofertas são por contratos de risco. Só com o tempo é que o atacante poderá provar que está de fato recuperado.
– Não vou prometer nada. Mas vou agir. Os torcedores já sabem o que quero. Hoje, sou ídolo do ASA, o que representa muito, meu carinho já é enorme. Não quero passar despercebido pelos clubes. Quero vencer – sentenciou, ansioso.