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Um velório nada convencional

Diferente de muitas pessoas que têm uma queda por velório, mesmo que desconhecido em vida o defunto, sentindo uma irresistível curiosidade em ver-lhe o rosto, comportamento típico de um necrólatra, compareço somente aos de eventuais amigos e parentes próximos. Fugido a regra, não faz muito tempo, fui ao de uma pessoa bem relacionada na cidade. Seu corpo não estava exposto numa igreja, nem na casa da família, mas num amplo espaço específico para tal solenidade, podendo receber mais de um velório, construído dentro de uma visão empresarial.

 Tanto a finalidade do prédio acima, com certo conforto, equiparado com os das grandes cidades, quanto o comportamento das pessoas que compareceram para apresentar condolências aos familiares, chamaram á minha atenção. É natural que os costumes mudem no que tange ao local onde se prantear o defunto ou a maneira como os familiares recepcionam os que comparecem á cerimônia fúnebre. O que ainda não consigo entender é o proceder atípico de tantos que lá estiveram, sem demonstração do mínimo pesar, mas com gesto de mera formalidade. Houve um momento que fiquei surpreso com o barulho das conversas. Até pensei que tinha entrado no lugar errado, tal era a descontração das pessoas. Lá se falava do preço da cana, do subsidio, entre outros negócios e novidade. Então pus-me a perguntar qual o sentido daquele comportamento. Cheguei à conclusão que era ausência de sentimento pelo morto ou indiferentismo pela morte. A primeira hipótese parece ser a verdadeira. Embora se trate de um fenômeno natural, jamais será ela encarada com indiferentismo. Bom seria que a víssemos com sóbria naturalidade. Os velórios, aos parentes próximos e amigos de verdade, não seriam tristes, podendo ser transformados, como no caso em tela, um agradável encontro social.

A primeira vez que vi uma tenda armada ao lado de uma igreja na qual se realizam velórios, pensei que fosse uma festinha religiosa para a venda de cerveja e refrigerantes. Apesar de ainda não se oferecer bebidas alcoólicas aos presentes, quero acreditar que isso logo acontecerá, para acompanhar os salgadinhos que são servidos e assim melhorar o astral do ambiente, estimulando a memória para contar divertidas piadas.

É normal que se chore a perda de um ente querido mesmo que no plano da fria razão não ter nenhum sentido, pios, inevitável a morte, a sua chegada é acompanhada de uma certidão que informa uma partida sem retorno. Da minha parte, confesso desde já, gostaria que meu funeral fosse embalado por uma alegre farra, dispensando de bom grado choro, lágrimas e tristeza. Como não consigo ter em mim a tolice ou o privilégio da fé, dispensável as orações e o passaporte de recomendações da igreja, para ser recebido no hipotético paraíso celestial.
A sociedade vive de convenções, algumas estúpidas e irritantes. No que se refere ao tema em apreço, a mais formal é a apresentação de pêsames aos parentes do defunto, quase sempre sem nenhum pesar. Feita com cerimoniosa sisudez é o mais vazio e inócuo gesto de solidariedade. Nesse momento, as palavras, por mais belas e arrebatadoras que sejam, não têm o menor valor aos que sofrem. Somente o silêncio pode traduzir a manifestação do verdadeiro pesar.

Eis porque, situando-me nos costumes do presente, acho que enquanto não conseguirmos ver a morte com naturalidade e tivermos de respeitar silenciosamente a dor dos parentes do morto, o comparecimento puramente formal terá sempre a cara de um descontraído encontro social, uma feira de negócios, transformada num divertido velório nada convencional.