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“Um teatro feito de pólvora e poesia”

Esta foi a pergunta que um amigo muito próximo me fez quando o convidei para irmos assistir “Pólvora e Poesia”, espetáculo baiano que completou na última sexta-feira, 13 de julho, o circuito Alagoas na programação 2012 do Palco Giratório – SESC.

– “Sem dúvida um momento interessante para a “juventude” penedense. Rimbaud foi indiscutivelmente, e ainda está sendo, considerado o escritor que mais influenciou a nossa literatura. Lêdo Ivo que o diga”. Insistiu o amigo, lamentando-se por sua ausência e principalmente por não ter tido condições de ir conferir de perto quais novidades haveria em relação a dois dos seus poetas prediletos.

Para o amigo que buscava novidades, uma em especial sobressaltou-se: Rimbaud e Verlaine vivem, e suas poesias estão mais atuais do que nunca. Na cena, a verve poética, os questionamentos e o amor tão tórrido quanto dorido que formavam suas personalidades, materializou-se nos apolíneos corpos dos atores Talis Castro e Caio Rodrigo, – P.V. e A. R. respectivamente.

A direção precisa do experiente Fernando Guerreiro garantiu ao público o real desnudamento, em sentido literal, e sem que a este fosse atribuído o chamariz da peça. A nudez ali foi, então, consequência e não causa. Aliou-se a isso, uma sonoplastia instigante muito bem concebida por Juracy do Amor. Informa o programa da peça: “com um texto impactante, a carga poética da peça fica por conta da violência emocional com que o lirismo salta dos discursos travados para tomar forma através de movimentos corporais pontuados pelos ‘riffs’ de guitarra que – acompanha a peça do começo ao fim -. O espetáculo convida-nos a uma imersão no que há de mais humano: o encontro conflituoso com o próprio eu”. Daí, testemunhar as competentes atuações dos “jovens baianos” reacendeu a certeza de que por estas bandas um teatro de qualidade, convidativo à reflexão e não somente ao besteirol, também é possível. Ponto então, para o Serviço Social do Comércio – SESC em cuja iniciativa de fazer circular espetáculos dramáticos, vai além do ecletismo das cenas: é antes de tudo a democratização do bom teatro.

A peça que foi escrita há pouco mais de dez anos pelo consagrado autor de teatro e de telenovelas, Alcides Nogueira, sintetiza bem os momentos finais da convivência dos poetas numa Europa em conflitos. Paul Verlaine que, diante da corte promotora que o acusa de ser sodomita nega seu amor por Arthur Rimbaud, jovem poeta que ele fez vir do interior para residir debaixo do mesmo teto que sua esposa grávida, Mathilde, e desejoso por lançá-lo junto à nata da boemia intelectual francesa com a ingênua intenção de fazê-lo “estourar”. O jovem Rimbaud, entretanto, despido de todos os preconceitos da burguesia, renova em Verlaine o encantamento da produção poética. E para desespero de Mathilde, os dois partem sem destino certo, iniciando uma tumultuada relação regada a amor, cumplicidade, agressividade e muito, mas muito absinto.

Sem sombra de dúvidas a Cidade do Penedo vivenciou naquela noite uma encenação memorável. Seu povo que já teve a oportunidade de “conhecer” os escritos de Artaud, Fernando Pessoa e Jean Genet quando, em 1994, sob os auspícios da Fundação Casa do Penedo veio, direto do Teatro Ipanema no Rio de Janeiro, o saudoso ator Rubens Correa com seu intenso e performático Artaud dirigido por Ivan de Albuquerque; assim também em 2008, o consagrado diretor alagoano Lael Correa que na oportunidade capitaneava a nau de Fernando Pessoa com exímios “Navegantes” e em 2009, com Genet com sua icônica “Madame” – isso só para citar as grandes cenas da atualidade.

Lamentei, contudo, o fato da apresentação de “Pólvora e Poesia” ter sido no palco do Theatro Sete de Setembro, em que pese a forte carga dramática ter contribuído positivamente para esquentar ainda mais o clima do recinto. Informava o programa do Palco Giratório que a apresentação se daria na Casa de São Francisco – Ordem Terceira. Sem dúvida, os irmãos franciscanos perderam pela segunda vez uma oportunidade singular de prestigiar a encenação do irreverente “Soneto do Olho do Cu”, construído no ápice da amizade entre os dois poetas, com segura liberdade e provocação. Isso, é claro, se quisermos considerar a possibilidade de que a Academia Penedense de Letras enquanto esteve abrigada sob o teto santo do Convento de São Francisco, possivelmente nunca tenha sido despertada por seus nobres acadêmicos com a instigante leitura desse emblemático soneto. Uma lástima.

Por fim, os aplausos foram dados de pé. Não diferente do que se podia esperar, a plateia, acredito, tenha não somente visto além da beleza dos intérpretes como também se permitido ao toque daqueles artistas que por inspiração de um rigoroso e exaustivo trabalho de arte, garantiu a todos um espetáculo digno.