Quando ouvimos falar em mudança, logo pensamos em evolução ou mudança para melhor. O Supremo Tribunal Federal, na sua relação entre o passado e o presente, está mais para involução. Quem acompanha pela TV suas sessões, já teve oportunidade de assistir cenas nada condizentes com uma instituição que deveria ser vitrine, um espelho para refletir para o país uma imagem de equilíbrio emocional e serenidade entre seus membros, razão para inspirar confiança e respeitabilidade.
Deixando de lado a sombra da sua imagem comportamental, passando para o plano de seus julgamentos, embora não paire a menor dúvida sobre os elevados conhecimentos jurídicos de seus componentes, não deixou de nos chamar a atenção, no episodio sobre o julgamento da admissibilidade ou não dos embargos infringentes em alguns processos do mensalão, o empate e posterior desempate sobre um assunto aparentemente sem complexidade. Apesar dessa aparência, tivemos de azeitar a paciência para ver o cansativo embate entre os onze cavaleiros da mesa retangular, tendo prevalecido contra a expectativa geral, os que pugnaram pela sua aceitação a favor dos condenados.
Encerrada a novela, decepcionados com o resultado, perguntamo-nos se os embargos infringentes, que não deveriam existir, mereciam tamanho desgaste com prolixos pareceres como se estivéssemos assistindo a exposição de importante descoberta científica, de uma nova teoria no campo da física ou uma discussão sobre insondáveis mistérios da natureza. Faz parte de uma curiosa mania pátria de dar relevância ao irrelevante, emprestando-lhe o brilho da erudição em assuntos vagos como se fossem precisos.
A propósito dos embargos infringentes, inflacionários entre tantos que são os principais responsáveis pela eternização dos processos, encontram-se no fim da fila como se fossem um rejeito, devendo ser rejeitados como tais, suprimindo-lhes o mais rápido possível sua incômoda sobrevivência. É inconcebível que os processos judiciais, depois de uma longa, impaciente e desgastante tramitação pelas instâncias inferiores, chegando ao Supremo Tribunal Federal, último degrau, sejam merecedores de recursos. Ocorrido o julgamento pela maioria, essa decisão, em perfeito alinhamento com a regra prioritária da democracia, finalizaria em definitivo a demanda. Nesse ponto, torna-se insustentável e irracional apelar para o princípio da ampla defesa, vez que é preciso que se entenda que tudo na vida tem um limite para não extrapolar o suportável.
Por outro lado, o processo do mensalão ofereceu-nos fatos que nos chamaram a atenção. Achamos curioso, embora saibamos ser a divergência a coisa mais natural, a ocorrida entre os ministros sobre a procedência ou não dos embargos infringentes. O placar de empate, quando seria de se esperar uma ou duas divergências, deu-nos a impressão que os embargos em tela, a infringir o bom-senso e atentar contra a inteligência, ganharam o estofo de um tema transcendental sobre um insondável mistério da natureza. Igualmente merecedor da nossa atenção, foi o inicio do parecer do Ministro Celso de Melo, desempatador do embate um tanto quixotesco, ao observar que o juiz não deve se sentir pressionado pelo clamor das ruas em seus julgamentos, tendo optado pela linha técnica para a sua decisão. Queremos acreditar que essa opinião não deve ser levada ao extremo, mas apenas em termos relativos como relativo é tudo na vida. Afinal de contas, a quem é dirigida e para que servem as leis? Será que o povo, o cidadão comum não tem instintivamente o senso da equidade, da justiça, do que e certo ou errado? Elas existem para servir os interesses do homem ou para serem reverenciadas na sua abstração fria e sem vida? O julgamento técnico contempla o sangue, a carne, a emoção, as expectativas e tudo o mais que caracteriza a vida humana? Despido dessa feição vital, há apenas um julgamento formal e estéril, sem o brilho da sensibilidade.
Em síntese, o Supremo Tribunal Federal, especialmente no que tange á postura comportamental de alguns de seus membros, protagonizando atritos em um nível que chega a causar espanto, ignorando a cordialidade, a serenidade e o cavalheirismo, compromete a confiança, respeitabilidade e o convencimento à altura de suas elevadas atribuições.