Existem momentos que desejamos discorrer sobre um tema ou acontecimento que valha a pena e não encontramos nada que satisfaça o nosso intento. Pelo segundo ano consecutivo fomos envolvidos a participar, na Praia do Peba, de uma folia momesca no Bloco Branca de Neve. Remonta à fase de alguns jovens estudantes, filhos de tradicional família penedense. Decorridas várias décadas, certamente sob a inspiração de algumas cervejas, ele renasce com a tríplice paternidade de Eduardo Jorge (Duda), Tuca e Eduardo Regueira.
São hoje sessentões, avôs que procuram reviver, em parte, as façanhas do passado. Naturalmente que há inevitáveis diferenças entre o ontem e o hoje Branca de Neve calcadas entre a atual reverência senil e a total descontração da juventude, sem nunca ter descambado para a grosseria e a violência. Essas qualidades que se somam à bela virtude da amizade, blindada pelo longo decurso do tempo, são traços que permanecem entre o passado e o presente.
Pode-se esperar, fato corriqueiramente previsível, que numa bebedeira surja qualquer tipo de atrito capaz de empanar o brilho de uma celebração a alegria que é a essência do Carnaval. É exatamente essa ausência de desinteligência entre os que fazem e acompanham o Branca de Neve que nos tem chamado a atenção, tendo a impressão de estarmos vivendo um Éden Carnavalesco entre os puros de espírito. Não bastasse a dádiva desse virtuosismo, devemos ressaltar um dos pontos culminantes que é o tratamento vip nas casas onde é recepcionado com variados pratos e bebidas, fazendo que o estômago, atingindo os limites da sua elasticidade, não mais suporte a mínima ingestão. Não se trata de gula, mas de irresistível tentação que só é vencida quando a ela cedemos.
O seu admirável histórico tem atraído o desejo de muitos que querem dele participar. Pelo que fomos informados, não haverá nenhum impedimento, fazendo observar, no entanto, que o Branca de Neve é seletivo, não sob o aspecto econômico, mas de comportamento. É preconceituoso a baderneiros e arruaceiros. Mesmo assim haverá, por parte do triunvirato acima citado, que o comanda, o cuidado de por limite ao seu crescimento, uma vez que tudo que cresce demais tem uma tendência, semelhante ao poder, a degenerar e corromper-se e muitos, inevitavelmente, farão parte da ralé. Será o seu fim prematuro. Não é o que se espera. Que morra naturalmente, semelhante a um quadro de formatura quando acompanhamos, com o passar dos anos, a baixa gradativa de seus componentes até o último, fechando-se a cortina de seus espetáculos de vida alegre e descontraída. Que o seu fim se resuma numa perene saudade para a posteridade.
Em breves palavras, o Branca de Neve pode ser definido como amizade firme que resiste à passagem do tempo. Uma prova cabal, em dissonância com os pessimistas sobre a condição humana, que os amigos existem. Afinal, o que seria da vida sem a sua existência? A completa solidão. Excetuam-se os que se julgam bastar-se a si próprios como um deus ou os idiotas vazios de um sentido da vida.
Eis o que é o Branca de Neve em sua posição unilateral ao lado do bem. Assim acreditamos, pois, se o homem é um misto de anjo e demônio, qual dos dois lados ele se enquadraria? Diríamos que ele é uma agremiação, na devida proporção, de anjos que sabem, em termos profanos, trazer do céu para a terra o paraíso do carnaval entre amigos.