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Um aluno, candidato a vereador, disse, em sala de aula…

Os etruscos foram um dos povos que concorreram para a formação dos notáveis romanos e, como todos os demais povos da Antiguidade, também tinham suas crenças. Em determinada data do ano, cada pai de família conduzia sua mulher para um templo onde lá as aguardavam vários homens com os quais manteriam relações sexuais durante três dias, em honra à divindade em que criam. Após os três dias, cada um ia buscar sua mulher e, ao final da tarde, com ela desfilava (muito feliz e satisfeito) pela cidade com um chapéu que ostentava dois chifres. Tal desfile era sinônimo de que o varão havia cumprido para com suas obrigações religiosas.

Tal fato é, aos nossos olhos, atentatório da moralidade, diríamos mesmo se constituir num absurdo, num aviltamento da família, e isso independentemente de o sujeito ser adepto de algum credo religioso. Certamente, a opinião média da sociedade seria essa, uma vez que os nossos valores não toleram a oferta da própria mulher como pasto sexual de outrem. Tanto assim que nas Ordenações Afonsinas (compêndio legal português que vigorou no Brasil-Colônia) o adultério (praticado pela mulher) consentido pelo marido era punido, e o sujeito que com isto consentia era obrigado a usar, todas as vezes que saía de casa, um chapéu com vários sinetes anunciando que o “corno” estava passando. Mas, o fato é que cada povo tem valores que variam muito, a depender do espaço e do tempo que se toma por referência e, como nos mostra a realidade, a escala de diferenças é mais extensa do que podemos imaginar.

Todavia, enquanto o leitor está sentindo um estranhamento com o caso acima narrado, outras pessoas de outra parte do planeta poderão estar boquiabertas ao mirar suas atenções nos valores cultivados pelo povo brasileiro e, mais especificamente, por uma estranha parte do território nacional chamada Alagoas e, nesse caso, posso garantir, serão eles quem irão sentir um profundo estranhamento em relação a nós, já que para eles o que ocorre aqui é algo aberrante, tamanha a sua imoralidade. Nesse sentido, estou tentando imaginar um norueguês, ou um japonês, ou um francês ouvindo um documentário sobre nosso povo e, fique certo, leitor, que mesmo sendo apenas em minha imaginação, enrubesço de vergonha com as constatações que irão fazer.

Não vou tecer comentários acerca da truculência, da violência e da falta de educação que assola Alagoas, vou apenas mencionar o comportamento do alagoano quando tem a oportunidade de ocupar um cargo eletivo ou comissionado (e não importa se é pai ou mãe de família, solteiro ou viúvo). Digo isso porque em qualquer lugar civilizado tais pessoas terão vergonha de explicitar um crescimento patrimonial vertiginoso logo após a assunção do mandato político ou gestão pública, isso porque a sua moral ficará abalada quando a sua imagem for associada à delinquência, já que o tal “mínimo de corrupção aceitável” só é considerado algo normal num lugar degenerado que apregoa: “roube, mas faça”, como ocorre no Brasil e, com muita intensidade, na bizarra Alagoas. Aqui, assim que o integrante de alguma família assume um cargo político, a sua imaginação começa a fluir freneticamente a fim de engendrar qual a melhor forma de flertar com o crime, objetivando o seu próprio locupletamento, pois entende que, por seus esforços e méritos, conseguiu uma oportunidade de fazer crescer seu patrimônio dentro de um determinado prazo e desde que não consiga ser pego num flagrante indesculpável. Ou seja, é até interessante que todas as pessoas saibam que ele está roubando, já que isso lhe é motivo de envaidecimento, pois o que importa é que não possa “ser pego”. O “não ser pego” é algo que massageia o ego do alagoano; é como se ele dissesse: “olha aí, consegui as credenciais para roubar dentro das regras (não ser flagrado) e tive competência para não cair em terreno minado. Olhem meus carros, minha casa nova, minha fazenda, minha empresa… vocês sabem que foi tudo fruto da “oportunidade” que conquistei. Mas não há nada contra mim: venci!”

Todos sabem que ele furtou e ele faz questão que todos saibam para que a sociedade entenda que ele não foi tolo e, no entanto, nada acontece, por quê? Porque o jovem, o adulto e o ancião alagoanos, de um modo geral, toleram a corrupção e gostariam de está no lugar do corrupto. Lamentavelmente é uma questão atávica que remonta as raízes de nossa gente (mas essa é outra questão).

As regras que não podem ser infringidas são: não ser flagrado em ligação telefônica ou filmado em situações de “trabalho” para que a imprensa não jogue os poderes constituídos contra você. Desde que se adote esse cuidado, é “lícito” roubar o erário em nosso Estado. Vivenciei duas situações que deixam claro como a mente criminosa do alagoano funciona. A primeira foi quando um determinado senhor (que conheço há alguns anos), homem pagador de impostos, educado, comedido e respeitador, ficou transtornado quando lhe contei que há um programa de televisão em Maceió em que a apresentadora denuncia nomes influentes da política alagoana chamando-os por ladrões, canalhas e desmoralizados, sem esconder o nome de ninguém. Esse senhor, de forma estupefaciente, imediatamente censurou a corajosa mulher e disse que ela merecia morrer, pois se ele estivesse no lugar desses políticos, faria o mesmo que eles e, caso ela o denunciasse, levaria bala. E disse isso de forma indignada, o que me deixou sem palavras, atônito e com um olhar reticente, ante a surpresa daquele comentário.

Já a segunda situação ocorreu em sala de aula. Não sei porque cargas d’água alguém suscitou uma questão ligada a política e eu tentei mostrar aos alunos que o problema dos índices alarmantes de corrupção não está na classe política, mas na sociedade que abastece os cargos públicos. Fiz o seguinte questionamento: por que é que entra político e sai político e a situação é a mesma? Será que o sujeito muda ao ocupar o cargo? Claro que não. Ele simplesmente revela a sua índole. Em outras palavras, o problema é que a fonte que abastece tais cargos é podre, e qual é a fonte? As famílias alagoanas. Os alunos ficaram reticentes e eu propus fazer um teste com eles. Fiz-lhes a seguinte indagação: “quem, de vocês, gostaria de fazer um excelente mandato por sua cidade e, ao mesmo tempo, fazer, também, o seu pezinho de meia?” Todos levantaram o braço, confirmando o que eu lhes havia dito: somos imorais, desonestos, e isso se transformou em charme, em status, uma interessante distinção, desde que você esteja ocupando um cargo público, não à toa ouvimos alguém dizer: fulano agora tá rico, virou prefeito! (A essa altura, caro leitor, os etruscos já me parecem “café pequeno” no que tange a comportamento estranho).

Para completar o episódio, um determinado aluno que era candidato a vereador, com bastante convicção, bradou do fundo da sala: “professor, tem que roubar mesmo… o povo é safado!!! De repente, aos olhos dos meus alunos eu me transformei num ingênuo romântico ou num hipócrita que também só estaria esperando uma oportunidade para revelar uma personalidade igual a deles. Acabei a discussão e voltei a aula, afinal, não passei minha mãe no ralo e nem tenho mão de ferro para dar murro em ponta de faca.

Antigamente, como falei acima, a lei punia o “corno consentido” com o uso de um chapéu nada discreto ao sair de casa, ante a imoralidade envolvida no caso; nesse sentido, fico a imaginar se a lei atual punisse uma outra imoralidade: o furtado consentido; certamente, nossas ruas seriam uma abjeta passarela de idiotas ou cínicos a badalar, em seus chapéus, os sinetes da degenerescência numa ignominiosa confusão de sons. Com o perdão do pronome oblíquo iniciando o período: – Me roube, mas faça! Me chifre, mas não vá embora!