Um grupo liderado por professores do curso de Pedagogia do Campus Arapiraca, em parceria com outras graduações da instituição, promove projeto de recuperação da memória oral de comunidades quilombolas, indígenas e do campo. As ações, coordenadas pela docente Neila Reis, buscam intermediar a educação e as suas interfaces entre grupos étnicos reprimidos ao longo da História do Brasil.
A principal atividade do grupo é o evento Educação e Formação Humana, composto por mesas temáticas sobre questões fundiárias, históricas, agroecológicas, culturais, tecnológicas e referentes ao saber. Os encontros contam com a participação de pesquisadores, organizações civis e líderes das comunidades. Em geral, os ciclos de debates ocorrem em datas comemorativas para os grupos analisados, como o Dia da Consciência Negra e o Dia do Índio.
“Nosso intuito é discutir as diversas temáticas da História e as memórias culturais que podem contribuir com a formulação de materiais didáticos e paradidáticos para as escolas. Trata-se de uma reflexão crítica e analítica, dentro do contexto social que sustenta a realidade desses povos”, assegurou Neila.
Segundo a pesquisadora, a prática da educação escolar indígena, do campo e quilombola vai além do espaço das escolas e da Universidade. Para ela, a atuação junto a essas comunidades amplia a preocupação com questões culturais, cotidianas e trabalhistas.
“A gente precisa olhar com atenção o modo como os professores estão desenvolvendo a educação diferenciada para esses grupos. É importante verificar se a legislação tem sido respeitada. Precisamos olhar para o quilombo, a aldeia, as comunidades rurais e as escolas como espaços vivos de histórias da comunidade contemporânea, não apenas com a visão folclórica e do passado”, afirmou Neila Reis.
Formação de docentes diferenciados
De acordo com a coordenadora, a grande preocupação do projeto é com a formação de docentes e de profissionais de outras áreas do conhecimento que estabelecem relação direta com as comunidades indígenas, quilombolas e rurais, como no caso dos agrônomos.
“Há um legado cultural pelo qual os remanescentes das aldeias e dos quilombos vêm lutando. O século 19, por exemplo, foi muito desastroso para os indígenas, pela opressão a sua identidade étnica. A política de aldeiamentos e desaldeiamentos foi muito nociva, assim como a destruição das malocas indígenas foi um genocídio cultural. Então, temos o desafio de associar a educação tradicional à diferenciada, que respeita o calendário e as tradições desses povos”, salientou Neila.
Diante desse panorama, a memória oral tem sido a ferramenta mais importante para o resgate da cultura e da história dos antepassados. Os relatos, transmitidos a cada geração, mantêm vivas as tradições daqueles que, por séculos, tiveram seus direitos ameaçados. “Por meio da memória oral, os caciques trazem um pouco dessa luta e dessa trajetória dos povos indígenas pelo acesso à terra. O mesmo acontece com os remanescentes quilombolas e rurais “, reforçou a coordenadora do projeto.
De acordo com a pesquisadora, o docente deve ter a compreensão da realidade das comunidades rurais e de suas problemáticas históricas. Como a maioria dos materiais didáticos aplicados nas escolas de todo o Brasil possuem conteúdo voltado para acontecimentos das regiões Sul e Sudeste do País, cabe ao professor a missão de recuperar personagens locais e fatos protagonizados no Norte e Nordeste – como a resistência dos quilombos em Alagoas.
É preciso fazer mais
A operacionalidade dos governos ainda é um entrave para que a Educação no campo alcance as suas metas. Por isso, o projeto que nasceu na Universidade Federal de Alagoas impulsiona discussões sobre políticas fundiárias, legislação e docência. “Uma coisa é o que as pessoas conhecem por meio do senso comum, a outra é o conhecimento científico, sistematizado e buscado pela academia”, avaliou Neila.
A professora explica que há uma análise contínua para saber o que o Estado tem oferecido às comunidades rurais e de que forma a legislação tem sido respeitada. Segundo Neila, o grande desafio é a implementação de condições estruturantes por parte do poder público e de um sistema educacional adequado para a realidade do campo.
“Há problemas financeiros e de infraestrutura. Algumas escolas, por exemplo, têm apenas duas salas de aula. Outro desafio é mostrar como a educação escolar indígena pode ser diferenciada, por meio da contratação de professores bilíngues [fluentes no Português e nos dialetos dos povos trabalhados], para fazer valer a lei e para que a língua de cada povo não seja esquecida”, detalhou a docente.
Para as próximas gerações
O projeto visa a pontuar e a reunir informações coletadas em entrevistas realizadas em aldeias e comunidades rurais. O material está em fase de digitalização e servirá de catálogo de fontes para as próximas gerações, além de contribuir com materiais didáticos de História do Brasil. Os dados também serão compilados para CD e DVD, com a finalidade de serem encaminhados às instituições de ensino.
A iniciativa é uma maneira de fomentar a construção do conhecimento e de estabelecer estratégias pedagógicas para as crianças, sem esquecer das tradições e dos rituais das comunidades. Além disso, impulsiona reflexões sobre a diversidade sociocultural e étnica.
“Houve um processo nefasto nas comunidades indígenas, desde a política do ministro de Pombal [no século 18], que implementou a língua portuguesa e proibiu a indígena. Com o tempo, isso transformou-se em um déficit estrutural e trouxe muitas consequências para a contemporaneidade”, destacou Neila.
Além de rememorar a identidade dos povos indígenas, quilombolas e rurais, o projeto tem compromisso com atividades de sustentabilidade, práticas de segurança alimentar e agroecologia. “Os projetos dizem respeito ao fato de a Universidade estar estreitamente vinculada à sociedade local, às comunidades e às escolas. Nós percebemos a riqueza da tradição e do conhecimento oriundos desses povos para a formação dos docentes”, salientou a pesquisadora.
