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TRADIÇÃO RELIGIOSA E RAZÃO

A concepção religiosa sobre Deus, especialmente no que diz respeito ao relacionamento homem e criador, é tão infantil e contraditória entre o que prega e faz que se não fosse tentar entendê-la pelo lado da fé, sentimento racionalmente inexplicável, estaria mais próxima da animalidade do que do homem distinguido pela razão. Exatamente por isso que na longa caminhada da humanidade entre os dois conceitos acima tem predominado, sem dúvida, a tradição. As duas agem em direções opostas. Enquanto a razão tem o poder de nos libertar, os que são levados pela tradição, em grande parte apáticos e avessos à contestação, que requer esforço mental, passivamente tudo aceitam. A propósito, vamos imaginar a hipótese de existirem duas escolhas para o crédulo comum atingir o céu. A primeira o obrigaria explicar, racionalmente, o porquê da sua fé, e na segunda ele deixaria ser rigorosamente chicoteado. Qual escolheria? Certamente, a segunda. Raciocinar é algo desagradável. Eis porque o mundo sempre será órfão da razão, predominantemente composto de uma manada obediente, amestrada e inerte, disposta a marchar para qualquer direção que queira o pastor.

Existem tradições que remontam há milhares de anos. É exatamente sob o aspecto religioso que vamos encontrá-las com disfarces e pequenas modificações. Os antigos gregos, há mais de três mil anos, tinham áreas delimitadas dentro das quais construiam seus lares. Era aí que também enterravam seus mortos. Uma das formas de cultuá-los era manter acesa, ininterruptamente, uma chama no local onde eram sepultados. Acreditavam que eles podiam interceder a favor da família. Lembra o milagre dos santos.

Observando as solenidades que os cristãos prestam aos entes queridos no dia de finados, não podemos deixar de nos reportar aos gregos da antiguidade e perceber algumas semelhanças na cerimônia. Os gregos acreditavam que o espírito permanecia junto ao corpo do morto. Os cristãos afirmam que após a morte o espírito desprende-se do corpo e vai para uma outra dimensão. Ora, se o grego cultuava seus mortos diante da sepultura, estava sendo coerente com a sua crença. O mesmo não acontece com os cristãos que agindo no descompasso do que alegam, comportam-se como o grego. Rezam, acendem velas, colocam flores num gesto tipicamente pagão, como se no jazigo estivesse o espírito para ser reverenciado. Como explicar tamanha contradição? É o que podemos chamar de tradição sem o mínimo vestígio da razão.

Uma outra tradição das religiões em geral, tipicamente pagã, é o sentimento do homem na sua relação com Deus que se manifesta na transação de favores. O religioso não oferece dádivas ou sacrifica um animal a Deus, como fazia o pagão. Faz-lhe preces e pede sua intercessão. Alguns, estupidamente, fazem rigoroso jejum, promessas absurdas e a torturar o próprio corpo como prova de amor à Deus. Um Deus muito humano, que ama, odeia e castiga. O peditório é certamente o maior ponto de contato entre as religiões do passado e da atualidade. É difícil aceitar a ideia de que se Deus existe ele ignora o destino do homem. Da mesma forma, entender que se Deus é de infinita bondade, é também de infinita maldade, coerente com o embate dos contraditórios, lei do Universo.

Quando ouvimos as palavras sacrifício e oferendas, imediatamente as associamos ao culto pagão. Se entre os antigos romanos não existisse o costume da crucificação, como teria morrido Cristo? A morte de Cristo, embora revestido de um hipotético alto significado em prol da humanidade, teve inspiração e significado pagão, o mais irracional e absurdo sacrifício. Os deuses pagãos digladiavam entre si, mas se desconhece que o mais poderoso tenha feito sacrifício de um outro deus. Pregar que Cristo foi sacrificado para salvar a humanidade, é de uma cegueira total e absoluta ignorância sobre o homem. Foi um sacrifício inútil. Não remiu nenhum pecado do mundo. Não se pode conceber, racionalmente, uma existência sem o bem e o mal. Por outro lado, este mundo está bem feito. Não houve nenhum erro da criação. Se tivesse existido, mesmo em relação ao homem, como aceitar que um erro do criador fosse reparado com o sacrifício do seu filho? Por que, apesar de tanta clareza, não se quer enxergar essa realidade? Será a cegueira da incontrolável fome celestial?

 A verdade é que a tradição religiosa, irmã gêmea da preguiça mental, em grande parte, continuará a alienar considerável parte da humanidade que, acreditando nas benesses do céu, esconjura o racional e o uso da razão.