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Tom vermelho do verde: uma estória antiga e realidade atual

Ex-prefeito de Penedo, Március Beltrão

Comento hoje neste espaço o romance “Tom vermelho do verde”, escrito por Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto, publicado pela Rocco em 2022. O autor nos transporta para a década de 60, época da ditadura militar quando o general no posto de presidente era Artur de Costa e Silva, 15.3.1967 a 31.8.1969 (de facto), que é sempre lembrado pelo grande feito de instituir o AI-5. Logo no início o leitor é colocado no ambiente geográfico e temporal onde se desenrola a estória que se mistura com a história, citando alguns autores que já relataram sobre o assunto. Porém o mais impressionante é o de Egydio Schwade que escreveu com rara objetividade que “A história do desaparecimento de mais de dois mil Walmiri-Atroari em menos de cinco anos ainda é um mistério para a sociedade brasileira”, misturando, assim, logo no seu início o seu romance com a veracidade histórica.

 Uma das ideias centrais do romance é a forma desarticulada do governo central da época integrar de a Amazônia, que seria um legado histórico, através da construção das BR 230 (Transamazônica) e 174 (Manaus/Boa Vista), mas que proporcionou o passo inicial à proliferação de invasões nas áreas ocupadas pelos povos originais sem um plano racional e eficiente de transferência das aldeias, resultando em constantes mortes e fugas dos nativos, deixando suas terras para a exploração inescrupulosa dos abundantes recursos naturais da região.

Como no período ditatorial (1964/1985), tratado com o eufemismo de governo militar por seus mandatários, os personagens principais são militares de patentes superiores – de major em diante – que detinham os principais postos de direção na região, como governador, diretorias regionais do DNER e IBAMA e outros, sendo os que mais detém voz ativa e de mando são o comandante militar da região e o coronel designado para superintender a construção das rodovias. O autor utiliza de nomes fictícios é claro, mas como quase sempre, os romances são idealizados com fatos verídicos ocorridos vivenciados, que foram relatados por residentes da época e utilizados pelo autor na sua narrativa.

No transcorrer da obra clareia-se a verdadeira razão dos autores do plano de integração da região amazônica, através da construção de rodovias ao país que foi apresentado ao ministro do exército, mas que era na verdade apenas um pretexto para concretizar as intenções de enriquecimento ilícito de militares corruptos, que eram sócios informais de empresas de extração de minérios, laboratórios farmacêuticos, madeireiras e outras empresas interessadas em explorar comercialmente a região.

O autor desenvolve o romance em partes distintas, a construção da BR 174, os contatos dos indigenistas com os Waimiri-Atroari e os militares ávidos a cumprir as ordens recebidas. Uma analogia aos Sertões quando Euclides da Cunha dividiu a obra em: a terra, o homem e a luta.

Na construção da rodovia os personagens, militares e trabalhadores civis desmatam, indiscriminadamente, a floresta que estava no trajeto do traçado da planta da estrada, mesmo com os seus medos apavorantes da reação dos indígenas, que para defender seu território promoviam ataques que resultavam em mortes dos dois lados e que resultavam na fuga muitos de trabalhadores, pois a iminência de morrer era mais forte que as péssimas condições de acomodações e alimentação a que eram submetidos. Opção esta negada aos militares que tem que cumprir o que lhes é ordenado independentemente de onde e de quando.

A narrativa dos contatos dos “civilizados” com os “selvagens” é onde se desenrola a prioridade do autor, que adentra nos interesses de pastores americanos que se utilizam de informações do Pentágono para conquistarem a confiança dos militares, podendo circularem livremente pelas vilas “doutrinando” e explorando os indígenas em proveito próprio e das empresas patrocinadoras.

Encontramos, no contexto, sertanistas inescrupulosos que se aproveitam de seus conhecimentos de locomoção na selva, seja através dos rios ou pelo interior, para locupletarem seus ímpetos de riqueza fácil e instintos criminosos de mortes e estupros.

Mas, neste vale de promiscuidades, aparecem os verdadeiros profissionais vocacionais de educação, um casal de educadores que abdica do conforto de sua residência para alfabetizar as crianças indígenas e por estes serem alfabetizados no seu idioma; uma médica do Instituto de Biologia do Exército, que permutou seu consultório pelo laboratório de pesquisas da flora amazônica e uma mulher abnegada que trocou a sala de aula pelo radioamadorismo, quando o marido oficial do Exército foi transferido de Natal para Manaus e que integra o grupo que adentra na floresta, com a função de informar o andamento da missão ao comando militar da região. Estas personagens femininas tem lugar de destaque no romance pela coragem e abnegações vocacionais profissionais e humanitárias que, juntamente com outros participantes ao descobrirem os verdadeiros interesses da maioria são cruelmente assassinados por seus colegas de expedição, crimes estes que no relatório final das autoridades foram atribuídos aos indígenas.

Esta narrativa de exemplos de pessoas exemplares assassinadas são esquecidas pelas autoridades que concluem, como em processos anteriores, que todo crime na selva é realizado pelos silvícolas que não querem ser “domesticados”, que nos remete aos problemas recorrentes da região: descumprimento das leis e direitos individuais e coletivos.

Quanto as personalidades militares do romance, que nunca participaram de algum combate com inimigos reais, elegem os nativos para a prática do que lhes foi ensinado na academia militar, esquecendo que também ensinam que o militar também é importante na continuidade da paz e sugerem, desde a primeira reunião secreta, que o desenvolvimento rodoviário da região só será possível se ocorrerem bombardeios com produtos tóxicos nas comunidades dos povos originais, sugestões acatadas e promovem a matança miilhares de Waimiri-Atroari,

Com o romance, acredito que o autor teve a intenção que os leitores reflitam e relacionem o seu conteúdo com o que ocorre atualmente naquela região, assunto continuamente relatado pela imprensa quando denuncia as invasões, o garimpo e o desmatamento criminoso que as autoridades não conseguem debelar e tirem suas próprias conclusões.

Todo romance tem um viés com a realidade.