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Todos os anos, a mesma recorrência

As imperfeições dos nossos orçamentos anuais vêm sendo narradas em prosas e versos há várias décadas

 

Este ano, o contingenciamento de verbas orçamentárias federais chegou mais cedo. Essa medida, de caráter excepcional, é utilizada quando há frustração de receitas, para postergar despesas que não possuem obrigatoriedade de cumprimento constitucional, chamadas de discricionárias. Essa decisão passou a ser rotineira, ano após ano, e sempre atinge primeiramente as universidades públicas, que deixam de cumprir compromissos como gastos com combustíveis, viagens, reposição de equipamentos, obras de manutenção predial, além do pagamento de funcionários terceirizados de limpeza e segurança. Isso afeta diretamente seus estudantes em todo o país e compromete a continuidade da qualidade do ensino nas universidades federais, conhecida e reconhecida nacional e internacionalmente. Os pagamentos dos salários dos servidores estão incluídos nas despesas obrigatórias.

Como o orçamento anual da educação possui, constitucionalmente, um percentual mínimo de 18% da arrecadação de impostos, e a receita governamental — exceto no período da pandemia de Covid-19 — vem aumentando ano após ano, algo está errado nas previsões orçamentárias que o Executivo elabora e o Legislativo revisa e aprova.

As imperfeições dos nossos orçamentos anuais vêm sendo narradas em prosas e versos há várias décadas, mas vamos nos concentrar apenas no que se refere à educação, deixando os demais setores para outra oportunidade.

Comecemos pelo percentual previsto na Constituição para a educação, que é de 18% da arrecadação anual de impostos. Trata-se de um valor obrigatório, e não de um teto, pois os gastos podem ir além desse percentual constitucional. Isso ocorre quando o aumento percentual das despesas obrigatórias é superior ao crescimento da arrecadação, o que parece ser o caso, considerando-se a diminuição das verbas destinadas às despesas essenciais, mas não classificadas como obrigatórias.

Em 2024, as despesas não obrigatórias previstas no orçamento das universidades federais foram de 0,16 bilhão para infraestrutura, 5,04 bilhões em despesas discricionárias e 1,31 bilhão para assistência estudantil. Esses valores são menores do que os de 2015, quando tínhamos 1,05 bilhão para infraestrutura, 6,82 bilhões para verbas discricionárias e 1,16 bilhão para assistência estudantil, representando cerca de 10% do total do orçamento geral. Esses números indicam um contingenciamento disfarçado, realizado ano após ano, pois é impossível sustentar o custeio das universidades federais com um orçamento menor, sendo que, atualmente, há uma quantidade maior de campi federais em funcionamento em comparação com 2015. É neste contexto que devemos “aplaudir” as emendas parlamentares, que atualmente giram em torno de 50 bilhões de reais, com tendência de alta.

Esse cenário demonstra que o aumento percentual das despesas obrigatórias vem crescendo ano após ano em relação ao total orçado. A principal razão desse crescimento é o pagamento de salários, como ocorre na maioria dos outros órgãos federais, o que leva à redução sistemática das demais despesas. Como o governo, normalmente, não destina recursos orçamentários acima do mínimo obrigatório, surge uma desarmonia nas necessidades financeiras das universidades, comprometendo suas autonomias — que, na prática, não são plenas, uma vez que as instituições não produzem receitas próprias.

Recentemente, em 23 de maio de 2025, o jornal O Estadão, em editorial, criticou o atual governo, afirmando que a penúria das universidades federais é causada por ele próprio. O texto cita, ainda, que a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) publicaram uma nota conjunta afirmando que essa asfixia financeira vem desde os “governos passados dos lulapetistas, que se empenharam em espalhar campi Brasil afora, sem condições materiais e financeiras para seu funcionamento e manutenção”.

É comum, quando ocorrem esses contingenciamentos, que os reitores das universidades federais se dirijam a Brasília “de pires na mão”, em um exercício de vexatória humilhação, para pedir socorro ao governo e aos congressistas. No entanto, não vemos esses mesmos gestores se empenharem, talvez por uma ideologia arcaica e ultrapassada, em retomar a discussão sobre a PEC 206/2019, de autoria do deputado federal General Peternelli (União-SP), que trata da possibilidade de cobrança de mensalidades nas universidades públicas brasileiras.

O autor da PEC fundamenta sua proposta em duas premissas básicas: o valor máximo a ser cobrado deve ser equivalente a 50% do preço médio dos cursos particulares; e quem pode, paga — de acordo com uma tabela progressiva, baseada na renda familiar — e quem não pode, não paga. Atualmente, as mensalidades dos cursos de Medicina variam entre R$ 5.000,00 e R$ 15.000,00, enquanto as de Direito vão de R$ 800,00 a R$ 5.000,00.

Quando essa discussão voltar à pauta, veremos os chamados progressistas — entre eles, a maioria dos professores universitários federais, contrários à cobrança — lado a lado com liberais de carteirinha, defendendo o slogan socialista de que a universidade pública deve ser gratuita. Eis aí um evidente contrassenso. Parafraseando o escritor Stanislaw Ponte Preta: “mais um samba do crioulo doido” vem aí.