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Tentando libertar-se das tempestades da paixão

A mulher que se acredita ideal. Quer seja fruto de uma avaliação mental, quer resulte de uma súbita atração impulsionada pelo olhar clínico do instinto, não isenta os enamorados em grande parte das tempestades amorosas. Isso porque sendo impossível o pleno entendimento a dois, podem acontecer inúmeros desencontros e suas naturais tormentas de uma relação amorosa.

 Fraguinha, como era chamado na intimidade, estatura relativamente alta e magro, tinha uma compleição sensível que o predispunha tanto para sofrer, quanto para aurir o prazer, as delicias das grandes emoções. Fazia o curso de psicologia, deixando-o pela metade, talvez pela convicção de não ser uma ciência, mas pseudo ciência que vive de modismos do que de resultados frente ao obscuro e insoldável espírito do homem, um eterno desconhecido.

 Aconteceu que Fraguinha, como qualquer um, não estava livre de ser fisgado pelas garras do amor e ficar submetido ao sabor de seus caprichos. Com pequenas experiências a partir dos quinze anos, aos vinte e três teve a fortuna e o infortúnio de cruzar seu destino com Marília, linda jovem com cabelos longos, olhos castanhos, um metro e sessenta e cinco de um corpo esguio e tentadoramente curvilíneo, era emoldurado por um olhar meigo e doce sorriso que davam a Fraguinha a sensação de estar diante de uma obra divinamente concebida para os prazeres do amor. Era um ser capaz de atender tanto as exigências da mulher ideal, quanto para incendiar a atração de dois corpos sadios e sedentos de um embate amoroso.

 Conheceram-se em um shopping, apresentação feita por uma amiga do Fraguinha. Após cumprimentos formais, acertaram um encontro que veio a acontecer em um elegante restaurante. Era preciso causar boa impressão à sua sedutora diva. Não é preciso dizer que desse encontro iria surgir, com o decorrer de alguns meses o mais tumultuado relacionamento amoroso. Usufruindo de inicio as delícias do fogo da paixão, não tardaria ver-se mergulhado na caldeira infernal. Isso como consequência do caráter possesivo e tempestuoso do amor que quando transtornado, está propenso aos vendavais e protagonizar as maiores tragédias. Enquanto Marília não cabia dentro de si pela sua beleza por todos admirada, Fraguinha tinha o sentimento em direção oposta. Quem tem, a feiura a seu lado, não pode temer a sua perda. Bem diferente é a situação daquele que desfila com uma beldade escultural, sempre ameaçado pelo vôo rasante de gaviões que pretendem arrebatar-lhe a prenda de seus sonhos.

 Naturalmente, era de se esperar que Fraguinha procurasse conter seu ímpeto de ciúme que certamente poria em risco, tão de repente, seu idílio com a encantadora Marília. O ciúme, incapaz de ser contido, tende gradativamente vir a explodir. Fraguinha sentia dentro de si um turbilhão de emoções que mais cedo ou mais tarde, acreditava, iria leva-lo a cometer um desatino.

 Para encurtar esta história, semelhante a tantas, basta esclarecer que após repetidas brigas com rompimento e reatamento, decidiu, após o ultimo desenlace, por um ponto final, acreditando que poderia achar uma válvula de escape num pretenso entendimento da gênese do sentimento amoroso. Racionalizá-lo era o mais eficaz de torná-lo insipido e sem graça. Talvez fosse melhor a insipidez à tortura ardilosamente engendrada pelo instinto que, inspirando a poesia e a crença do amor eterno, termina, como no seu caso, a sucumbir aos caprichos da paixão.

 Daí porque, dando inicio a seus questionamentos, perguntava-se: como entender que enquanto Marília, em sua vaidade feminina, era puro êxtase por sentir-se bela e admirada, ele se enchia de ódio destrutivo contra ela e seus admiradores? Como entender essa reação se por unanimidade afirma-se ser ódio incompatível com o amor? Por que, então, acontece? Ocorre que o amor, por mais que se pinte uma tela enaltecendo o esplendor de seus encantos, no fundo é carnal e possessivo e tudo que contrarie essa natureza animal, pode resultar violentas consequências. Marília, inconsciente ao desfilar perante os olhares libidinosos, assemelhava-se a uma fêmea no cio, convidando os machos para perto de si e após a luta escolher o vencedor para reproduzir a espécie . Fraguinha sentia-se um provável derrotado, fato que aos poucos ia aumentando seu ódio de vingança. Valeria a pena consumar uma tragédia e sofrer estupidamente suas consequências? Animalescamente elas acontecem, fruto de uma súbita emoção, carente de uma avaliação fria e racional, como estava a fazer.

 Afinal de contas, nós, homens, sob o aspecto amoroso, não passamos de reprodutores para disseminar a espécie. Mantida a relação sexual com uma mulher, a próxima passa a ser mais atraente. Macho fiel faz parte das exceções. A natureza presta-se a fazer com maestria seu papel de dissimulada poetisa, que faz despertar a atração pelo belo nas relações sexuais e, como complemento, incutir na cabeça dos ingênuos que o amor de verdade existe, pode ser eterno, indiferente ao desgaste do dia a dia.

 Sem essa ingênua fantasia, dizia Fraguinha com aparente convicção, passarei a preferir a insipidez do racional, sem emoção, a continuar ser um capacho dos caprichos da natureza.

 Será que conseguiu?