Com o advento da Constituição em 1988, sonhou o Dr. Ulisses Guimarães e outros constituintes, sepultar velhas práticas da República Brasileira, uma delas, a promoção pessoal com dinheiro público de presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares, servidores e todos aqueles que exercem função pública, em especial, os que administram recursos públicos. O art. 37 § 1° da Constituição Federal parecia de forma profilática extirpar este grande mal:
§1° “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
Num passado não muito distante, a sociedade brasileira habituou-se a suportar, humilhante e abusiva propaganda pessoal dos gestores públicos, mediante a paga do erário. Ainda hoje podemos visualizar bancos de praça, calçadas, pontes, viadutos e escolas com nomes, marcas e símbolos que caracterizam promoção pessoal dos administradores. A frase ridícula da chamada “administração eu”.
Na história política até piada se fazia com determinados gestores. No livro de anedotas do alagoano e ex-deputado federal Cleto Falcão há o relato folclórico da explicação do então Prefeito de Maceió, Sandoval Caju, sobre a colocação do famoso “S” nas suas obras: “coloco “S” nos bancos para dizer: sente-se; “S” na calçada para dizer siga; “S” nos sanitários para dizer sirva-se”, afirmava Caju. Este Brasil é curioso. Comparando a despesa em colocar azulejo com seu “S” nas praças da Capital, com a publicidade que presenciamos na atualidade, chegamos à conclusão que era irrisório o gasto do ex-prefeito Sandoval Caju.
Para burlar as proibições do art.37 § 1° da Constituição os gestores brasileiros arranjaram um velho jeitinho desavergonhado de gastar o dinheiro público para se promover. Astúcia dos marqueteiros, ausência de regulação do dispositivo constitucional, ambos associados ao desconhecimento e, apatia cidadã do brasileiro, desaguaram na utilização das conhecidas “logomarcas”. Este instrumento da criativa propaganda brasileira, apesar de não ostentar o nome do governante, identifica a gestão, logo, pessoalizam as administrações e seus respectivos titulares. Banners, outdoor, cartazes, adesivos em viaturas, faixas, impressos de todos os tipos, fardamentos, crachás, papeis de utilização da rotina burocrática, cartões de apresentação, convites e prédios, estes padronizados na cor do partido ou, a mesma utilizada na campanha eleitoral, pessoalizam o poder público de forma anárquica e desrespeitosa a Constituição e ao cidadão.
O Prefeito da cidade Capela, Sergipe, Manoel Messias dos Santos conhecido por Sukita não teve pudores: tudo que é de imóvel e viatura foi pintado na cor do conhecido refrigerante que leva seu nome. Mas o laranjal do desrespeito não ficou só na Capela. Em várias outras cidades os prédios públicos e os fardamentos mudaram de cor. Sem sequer ter o dinheiro da folha de pagamento de janeiro, prefeitos já mudavam as cores e marcas das lixeiras, não por desejar cuidar da limpeza, mas, para anunciar que agora o governo era o dele. Cuidaram também, em apagar a marca do ex-gestor. Mãozinhas se cumprimentando, barquinhos, trevos, flores, igrejas, bonequinhos, cores e tudo que caracterizava a marca dos gastos do Governo anterior, deram lugar a logomarca do novo “proprietário”. Se não pintou o prédio, mas apagou a marca do “outro”. Veículos outrora inteiramente cobertos com aberrantes propagandas personalizadas, obviamente colocadas a um custo nada irrisório, tiveram as películas arrancadas e substituídas por novas.
Sem dúvida, governos se iniciam trabalhando muito mais. Mais adesivo, mais cores padronizadas, mais logomarca, mais propaganda, mais gasto com inutilidades. Alguns ainda se superam com um banho de outdoors coloridos, com foto pessoal dos administradores espalhados na sua jurisdição e até fora dela. Qual o caráter educativo da medida? Informar o que? Qual a orientação social? Alguma campanha de utilidade pública? Um alerta contra o vírus H1N1? Nada justifica a gastança a não ser a promoção pessoal.
O mesmo acontece em vários Estados. A publicidade do governo é tamanha que tem até Secretaria criada para tal finalidade. Secretaria que deveria informar limita-se a promover pessoas com o dinheiro do contribuinte. A prática como já dissemos não é nova e, deve perdurar por algum tempo. Resta saber até onde vai a farra. Pelo visto, vai até que o povo crie vergonha de si mesmo e tome as rédeas da situação.
A ação cabível para coibir estes abusos é a Civil Pública ou uma representação ao Ministério Público. Enquanto nada acontece, continuaremos assistindo e pagando, pelas formas e cores de cada governante. Na verdade a propaganda que todos esperamos é aquela que se vê ao abrir a janela de casa e, constatar que a rua está limpa, iluminada, sem buracos, saneada, escolas e postos de saúde funcionando adequadamente, enfim, que nosso dinheiro está realmente sendo revertido para todos. Ao menos resta um consolo: sonhar ainda não paga imposto.