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Cultura

Seminário desmistifica papel do negro na construção da história de Alagoas

Comunidade prestigiou fortemente o evento

Os cultos religiosos de origem africana no Penedo deram a tônica da abertura do seminário “A Importância do Negro em Nossa Formação” que começou nesta quinta-feira (18) na Fundação Casa do Penedo. O evento – que se encerrou na sexta (20) – é uma promoção da instituição em parceria com a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Faculdade Raimundo Marinho. O diretor do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), Fernando Gomes, expôs sobre Identidade e Resistência, enfatizando a influência da islamização africana dos malês em Penedo no século passado, bem como as práticas religiosas e rituais que persistem nos dias de hoje entre os adeptos dos cultos afro-descendentes em Alagoas.

De acordo com Fernando Gomes, os negros-malês obedeciam a um ritual sagrado que incluía a “salat”, uma oração repetida cinco vezes ao dia; o jejum ramadã uma vez por ano; o zacat (oferta de esmolas aos pobres e órfãos) e o radjdj, peregrinação à Meca ao menos uma vez na vida. O diretor do IHGAL disse que havia vários significados para a palavra malê e como o sentido era sempre negativo, a exemplo de “má lei”, o termo não era aceito pelos negros. “Quase todas as rebeliões em Alagoas eram provocadas pelos malês e os nagôs”, completou o estudioso, acrescentando que o xangô dos dias atuais mantém traços islâmicos.

Outra curiosidade apontada por Gomes é o fato de que as mucamas – negras que cuidavam das filhas dos brancos – sabiam ler enquanto a prole dos patrões não dominava a leitura. Por esta razão, afirmou ele, boa parte do discurso do branco tem herança do negro. Fazia parte da prática litúrgica à reza Salah sobre a pele de carneiro e um rosário com 99 contas, sendo que quando os homens e mulheres pegavam as contas grandes se levantavam e nas menores; sentavam. Atraiu também a atenção dos estudantes, professores, pais e mães de santo que participam do evento a exibição do documentário 1912: A quebra do Xangô.

Segundo relatos de estudiosos, pais e mães de santo que, de alguma forma, sofreram as conseqüências da perseguição aos grupos de candomblé, a época foi um marco da intolerância religiosa em Alagoas e estava ligado aos adversários do então governador do Estado, Euclides Malta que, por muitos anos, residiu e militou na política penedense. Na manhã desta sexta-feira (20), a professora e diretora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Clara Suassuna, comprovou por meio de um mapa que 51% da população brasileira é afro-descendente.

Ela levou o público a refletir sobre a necessidade de reescrever a história do negro, exposto nos livros didáticos como indivíduos escravizados, maltrapilhos e acorrentados, os quais negam à raça o legado de contribuição rica dada à construção do país em todas as áreas. Outra lacuna deixada pelos livros de História, afirmou Clara, é o conceito equivocado sobre quilombo, os quais mostram apenas como o local de refúgio para os negros fugitivos, mas que se tratava de terras férteis para produção de alimentos. Durante à tarde a Academia de Capoeira Raízes Afro Maculelê se apresentou com alunos do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

Os negros também acessavam os quilombos, de acordo com a professora, pela doação de terras de seus antigos senhores, bem como pela decadência da indústria açucareira. Clara afirmou que em Alagoas há 53 comunidades quilombolas catalogadas e 50 reconhecidas pela Fundação Palmares. Ela destacou, sob o olhar atento de estudantes e professores, a influência da linguagem dos negros bantu em boa parte das palavras pronunciadas pelos alagoanos e brasileiros, a exemplo de dengo, leso, nenê, e até as gírias usadas para definir a genitália masculina e feminina. O evento foi encerrado com a apresentação do Projeto Praça dos Orixás pelo diretor cultural da Casa, Jean Lenzí; a lavagem do pátio da Casa do Penedo por mães de santos e palestras com o professor e diretor educacional da Faculdade Raimundo Marinho, Clébio Araújo.