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Cultura

Sem espaço adequado, Câmara guarda 1,2 mil obras de arte longe do público

Um valioso acervo artístico-cultural, com cerca de 870 pinturas, gravuras, fotografias e esculturas e 300 peças de mobiliário, está longe dos olhares de quem circula pela Câmara dos Deputados. Por falta de um espaço apropriado à exposição dessas obras, a maior parte fica exposta em gabinetes ou guardada nas salas da chamada “reserva técnica”, no subsolo do Congresso, onde estão acondicionadas telas de artistas como Rafael Falco, Carlos Bracher, Fayga Ostrower, entre outros.

Há mais de quatro anos, por exemplo, o painel A Verdade Ainda Que Tardia, do artista gráfico Elifas Andreato, consagrado autor de célebres capas de discos da Música Popular Brasileira, não é exposta ao público. Com 5,8 metros de comprimento e 2 metros de altura, o painel em três módulos retrata a tortura contra presos políticos durante a ditadura militar (1964-1985) e foi doado pelo próprio artista, que, até semana passada, acreditava que a obra estava desaparecida.

O painel foi, segundo o próprio Andreato, criado por sugestão de um integrante da Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação do Chile, durante evento da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara dos Deputados. “Ele comentou comigo que era preciso criar uma imagem contundente, capaz de representar os relatos sobre o absurdo do período. Voltei a São Paulo pensando nisso. Como sempre estive envolvido com essas questões, me senti um pouco responsável por criar uma tela que denunciasse as barbaridades cometidas pelas ditaduras latino-americanas”, contou Andreato à Agência Brasil.

Por três meses e meio, o artista dedicou cerca de 15 horas diárias ao propósito de “denunciar os horrores cometidos por agentes públicos”. O artista tomou conhecimento das práticas na segunda metade da década de 1960, por meio de amigos e conhecidos que foram torturados. Mais de 40 anos depois, ouviu os depoimentos de sobreviventes dos abusos prestados à Comissão Nacional da Verdade – colegiado criado em 2012 e que, até 2014, apurou as violações aos direitos humanos ocorridas no Brasil, entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. “Foi doloroso pintar esse assunto. Custou-me muitas noites de sofrimento repassar toda essa tragédia”, contou.

Quando doou o painel e os direitos de reprodução à Câmara dos Deputados, no final de 2012, Andreato avaliou que a obra valia R$ 60 mil. Sua expectativa era que a tela ficasse permanentemente exposta ao público. A obra ficou exposta na Câmara durante o mês de dezembro de 2012, como parte da mostra Parlamento Mutilado: Deputados Federais Cassados pela Ditadura de 1964, em homenagem a 173 deputados que tiveram os mandatos devolvidos em 2012. Encerrada a exposição, foi guardada em uma das salas da “reserva técnica”.

Até a semana passada, Andreato não sabia do paradeiro do painel, mesmo tendo pedido ajuda a ex-integrantes da comissão parlamentar para descobrir o destino da obra. Foi então que amigos decidiram denunciar nas redes sociais o suposto “desaparecimento” da tela – que não consta na relação de itens do acervo disponível no site da Câmara, conforme a reportagem apurou.