O Suplemento do Diário Oficial e a Agência Alagoas inicia hoje (7) uma série de reportagens sobre o mundo dos colecionadores alagoanos. Nos textos, os leitores vão conhecer um pouco mais sobre a árdua tarefa de adquirir, preservar e admirar artefatos muitas vezes descartados pela maioria das pessoas. O primeiro personagem das matérias é Pierre Chalita, falecido em 2010 depois de dedicar toda a vida à filatelia.
A paixão teve início logo cedo, ainda na infância. Foi aos quatro anos que o então menino Pierre Chalita começou a se encantar pelo universo dos selos. O primeiro contato foi por meio das cartas que o pai recebia de parentes e amigos do Líbano, terra natal da família. Vindos do oriente, os envelopes eram cuidadosamente guardados pelo garoto, surpreso com as imagens que ocupavam as pequenas estampilhas adesivas.
Colecionador nato, não demoraria para que o artista, arquiteto e professor diversificasse sua coletânea de objetos, dividindo o amor também com quadros das mais diversas nacionalidades e com peças sacras de igrejas nordestinas. A filatelia, no entanto, sempre ocupou seu espaço e esteve presente até nos últimos momentos, quando o também pintor foi hospitalizado lutando contra insuficiências renais e hepáticas – causas de sua morte.
“Entramos no hospital num dia de sábado para que ele fizesse hemodiálise. Na hora em que foi encaminhado para a sessão e que o elevador chegou para levá-lo, ele pediu ao enfermeiro pessoal para que buscasse o álbum, as lentes e a pinça. Apesar de todos argumentarem que ele não poderia fazer aquilo no momento, esse foi seu último desejo, ficar perto da coleção”, relembra a viúva, a escritora Solange Chalita.
Mesmo durante a doença, a paixão cultivada ao longo da vida foi mantida e a dedicação era diária: toda noite, o artista separava um horário para se debruçar sobre seu hobby. O cuidado, assim como o ciúme, era grande. “Tinha sempre que pegar com a pinça e, se um deles caísse no chão, era o maior problema. Tirá-los das cartas também era um trabalho muito cuidadoso para que nada fosse danificado. Tudo isso era quase como uma oração”, expõe Solange.
O entusiasmo era alimentado nas viagens feitas pelo casal, quando Pierre procurava por novidades. As idas a São Paulo estavam entre as preferidas e, na capital paulista, a feira filatélica localizada na Praça da República era parada obrigatória. A atualização, porém, ocorria também em Maceió, onde ele participava das sessões de obliteração e recebia, em sua casa, colecionadores de outros estados para trocar as preciosidades de papel.
Homenagens
Hoje conservadas pela viúva, as estampilhas seguem guardadas em uma reserva junto com outras peças deixadas pelo artista. Nos livros, estão retratadas as memórias de várias nações e países, em especial do Líbano, do Brasil e da França, onde ele estudou por um período. Na coleção, é possível achar selos de todos os tipos, incluindo aí os raros, os timbrados e aqueles em referência a personalidades como Adoniran Barbosa e Elizabeth II, rainha da Inglaterra.
“Ele gostava, sobretudo, da imagem, da referência, da história contida em cada selo. Às vezes era a paisagem do lugar que chamava atenção, às vezes um personagem. O selo tem o poder de retratar mais ou menos a vida socioeconômica e cultural de um país e podemos ver tudo de importante que acontece condensado nele. Muito cedo, com a percepção de criança, ele entendeu a importância disso”, relata a escritora.
Saber quantos há ao todo é tarefa difícil – nem mesmo a quantidade de álbuns, assim como seus valores, Solange consegue precisar. O número exato será conhecido apenas com a incorporação do tesouro à Fundação Pierre Chalita. O processo de estudo para que isso aconteça já foi iniciado: a viúva conta que está percorrendo diversas instituições a fim de conhecer a técnica adequada para tornar a coleção acessível aos visitantes.
A exposição é uma maneira não só de homenagear o filatelista, mas também de permitir que a população tenha contato com os itens. Alguns já chegaram até a ser expostos no Estado. “Certa vez, esteve aqui o embaixador da Áustria e ele expôs os selos que tinha do país. Outra vez foram os da França. Tudo isso, porém, requer cuidado”, afirma a Solange, manuseando os álbuns. “Estou aqui pegando com o dedo, mas nem deveria”, diz ela, rindo.
Outro tributo a ser recebido pelo artista, arquiteto e professor é o selo personalizado criado especialmente para ele. O lançamento acontece em Maceió e é parte da Semana Nacional de Museus de 2012, que começa no próximo dia 14 de maio. A iniciativa é dos Correios, em parceria com o Clube Filatélico de Alagoas, e será lançada em dois modelos: um com a face de Pierre e outro com a figura de Dom João VI e Carlota Joaquina ao lado dele.
Segundo a escritora, a homenagem é mais que bem vinda e coroa a dedicação do pintor. “Os selos foram um braço do colecionador de arte Pierre porque, para ele, os selos eram arte e história. Ele fazia essa junção. A coleção se confundia com a infância, com a juventude, com a família. Da mesma maneira que comemos, que fazemos nossas tarefas, esse era o ritual diário dele: tomar o álbum e olhar, apreciar. Ele também se acalmava muito com isso”, conta.
Mas e como foi conviver por mais de 20 anos com tanta dedicação? Solange conta que, para ela, era uma honra. “Eu achava maravilhoso. Adorava quando ele me chamava para mostrar os selos, dizer como eles eram lindos. Era como uma criança que tinha permanecido viva dentro dele. Aquele menino de quatro anos surpreso por conhecer esse mundo o acompanhou até os últimos minutos de vida”, diz ela, empenhada agora em preservar a memória deixada pelo marido.
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