×

Alagoas

Secretária destaca luta diária pela afirmação da mulher

"Vivemos muitas derrotas, mas também a delícia da transgressão e o entusiasmo de presenciar uma revolução sem recursos, desarmada e sem controle", diz

Uma vida na luta pelos direitos da mulher. Solange Jurema, atual secretária de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social, começou a traçar sua história política ainda na juventude, quando foi militante do movimento estudantil na Universidade Federal de Alagoas, no final da década de 60. Num período marcado pela repressão da Ditadura Militar, ela já dava os primeiros passos na defesa dos direitos humanos e pela democracia no Brasil. Desde jovem, atuou em movimentos como Diretas Já e Anistia.

Em 1987, presidiu a Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica. Foi quando ela entendeu que batalhar apenas pelos direitos humanos não levava em consideração as especificidades da mulher, ou seja, o gênero feminino não era prioridade na luta. Foi nesta associação que ela manteve contato com mulheres do país inteiro e conhecendo as mais distintas dificuldades, Solange levantou a bandeira das mulheres como sua principal batalha.

Advogada, procuradora de Estado aposentada, tem especialização em direito constitucional, em mediação e arbitragem e fez o curso de Gerência Social em Washington/Estados Unidos. De 1999 a 2002, foi presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, sendo também, nesse período, presidenta pró-tempore da Reunião Especializada da Mulher do Grupo Mercado Comum, Mercosul (REM).

Neste ano, Solange se emociona ao saber que vai fazer história no país. Quando o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, criou a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, a alagoana foi convidada a ser a primeira titular da pasta. Para ela, foi um grande reconhecimento, por parte do Governo, de que a questão de gênero e a construção de um mundo novo, compartilhado, democrático e igualitário, não é mais uma utopia das mulheres.

Sua gestão foi marcada pela criação dos centros de atendimento a mulheres vítimas de violência, fortalecimento das casas-abrigo, fortaleceu ainda os Conselhos Estaduais da Mulher e desenvolveu capacitações para que os policiais aprendessem a atender as mulheres com dignidade.

A convite do governador Teotonio Vilela Filho, foi chamada, em 2007, para assumir mais uma luta, agora pelos direitos da população em situação de vulnerabilidade do Estado. Crianças, idosos, deficientes, podem contar com o empenho de uma mulher e o apoio do Estado para o combate à pobreza. À frente da Seades, desenvolve um trabalho para erradicar o sub-registro no Estado, criou o centro de atendimento ao idoso, onde ampara os idosos que sofrem qualquer tipo de violência, passou pela primeira vez no estado a co-financia a política de assistência social, equipando os Centros de Referências de Assistência Social (Cras) em Alagoas, garantindo acesso aos direitos sociais da população mais vulnerável.

Jurema criou ainda, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde, um programa para reduzir a mortalidade infantil, onde o Estado entrega a todas as gestantes que fazem o pré-natal, cestas nutricionais de alimentos. Além disso, ela é membro da Comissão Intergestora Tripartite, em Brasília, comissão que pactua a aplicação dos recursos do Ministério do Desenvolvimento Social.

Perfil — Filha de um militar e uma professora, Solange Bentes Jurema nasceu em Maceió, no dia 1º de novembro de 1948. É casada, tem três filhos e sete netos. Seu pai, mesmo sendo militar, ela o considera um humanista, com a cabeça muito aberta, já que tinha, dentro de casa, uma filha envolvida com movimentos estudantis. Ela fala da mãe como uma pessoa íntegra e justa. Foi com esta base familiar que cresceu e desenvolveu sua personalidade, criada um pouco com traços do pai e outros traços de sua mãe.

Apesar dos compromissos e responsabilidades, mãe e avó dedicada, tem sempre a família como porto seguro, sua força, sua maior razão de viver. Ela conta que estava participando da Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York, quando recebeu a notícia de que seria avó. “Comemorei a notícia com mulheres de diversos países, idades, religiões, etnias, posições políticas, culturas e, juntas, em cumplicidade, brindamos à chegada de mais uma mulher nessa nossa casa, o planeta Terra, o planeta fêmea”, reforça.

A história das transformações sociais como herança

Foi a partir daquele momento que Solange começou a analisar com outra sensibilidade sua missão, onde se sentia responsável por garantir os direitos conquistados pelas mulheres do Brasil. Foi aí que passou a compreender a herança que está deixando para essas novas gerações. Passou a ver a profundidade da transformação e do significado do ser mulher nas últimas décadas do século XX, considerando que esta nova geração não se dá conta das evoluções do gênero feminino do século passado para este.

Solange diz que analisou a cumplicidade, a ousadia, coragem e decisão de se construir uma nova ordem mundial, capaz de respeitar a vida, privilegiar pessoas, desconstruir regras milenares de poder, linguagens e intolerâncias, geradas por guerras, destruições e desigualdades. Foi aí que ela começou a imaginar como seria contar para os netos a grande revolução de mentalidade a respeito do que significou ser homem e ser mulher no final do século XX e como ia percebendo as mudanças. Contar para eles como foi derrubar o muro dos paradigmas, desmentir mitos, reinventar as relações humanas, estabelecer direitos à diferença entre homens e mulheres e à igualdade social, política, econômica e cultura para ambos.

Um dos maiores sonhos de Solange Jurema é poder repassar para seus netos que, quando a bisavó deles nasceu, a mulher não tinha o direito de votar, a mulher casada era considerada relativamente capaz, o prazer era um direito apenas masculino e que houve um tempo, no Brasil, em que quando se falava em democracia, a mulher não estava inclusa, porque não lhe era dado o direito de participar da vida pública; contar ainda que as mulheres sofriam caladas, porque se dizia que “mulher nasceu para sofrer” e ser “a rainha do lar”.

Mas Solange conta, ainda, que se orgulhará muito em poder contar que foi a sua geração de mulheres que fez a maior revolução pacífica da história, em nome de mais da metade da humanidade. “Nós, mulheres, não derramamos sangue, não destruimos prédios, não bombardeamos países, não contaminamos a Vida ou o meio ambiente. E, mesmo assim, provocamos uma das maiores mudanças no ser humano a respeito de si mesmo, das relações pessoais e privadas. Nós desmascaramos a pobreza, a violência escondida entre quatro paredes e o mito de que no Brasil não existia preconceito de gênero ou de raça. Vivemos muitas derrotas, mas também a delícia da transgressão e o entusiasmo de presenciar uma revolução sem recursos, desarmada e sem controle”, conta, orgulhosa.

Contribuição diária — Para Solange Jurema, ser protagonista desta história de luta é muito satisfatório. Emociona-se ao lembrar que contribui todos os dias para tentar oferecer um mundo melhor para seus netos, que considera o grande presente de sua vida. “São eles que me reabastecem para as grandes lutas e são causas também, é para que eles tenham uma vida digna, melhor e com mais oportunidades que luto”, disse, completando que não acredita em felicidade individualista e frisa que para que os netos dela tenham um futuro melhor, é necessário que os netos de todos os brasileiros também o tenham.

Sobre o futuro, ela diz que será, sem dúvidas, continuar lutando pelo direito das mulheres, já que ela não consegue ver sua vida longe desta militância. Ela quer melhorar a vida de todos que estão a sua volta, para que, consequentemente, consiga melhorar a vida de sua família.