
Publicado hoje, 28 de janeiro, o texto foi aprovado pelo Papa Francisco (Foto: Reuters)
Foi publicada, nesta segunda-feira, 28, a Nota sobre a relação entre Inteligência Artificial e inteligência humana dos Dicastérios para a Doutrina da Fé e para a Cultura e Educação: “A IA não é uma forma artificial de inteligência, mas um dos seus produtos”. São destacadas as potencialidades e os desafios nos campos da educação, economia, trabalho, saúde, relações humanas e internacionais, bem como em contextos de guerra.
A Inteligência Artificial não deve ser considerada como uma pessoa, não deve ser divinizada, nem substituir as relações humanas. Deve ser utilizada “apenas como um instrumento complementar à inteligência humana”. Os alertas do Papa sobre a Inteligência Artificial nos últimos anos servem de guia para a Antiqua et Nova (em referência à “sabedoria”, antiga e nova), a nota sobre a relação entre inteligência artificial e inteligência humana, fruto da reflexão mútua entre o Dicastério para a Doutrina da Fé e o Dicastério para a Cultura e a Educação. O documento é dirigido a pais, professores, sacerdotes, bispos e a todos os que são chamados a educar e transmitir a fé, mas também àqueles que compartilham a necessidade de um desenvolvimento científico e tecnológico “a serviço da pessoa e do bem comum” [5]. Publicado hoje, 28 de janeiro, o texto foi aprovado pelo Papa Francisco.
Em 117 parágrafos, a Antiqua et Nova destaca os desafios e as oportunidades do desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) nos campos da educação, economia, trabalho, saúde, relações internacionais e interpessoais, além de contextos de guerra. Neste último, por exemplo, as potencialidades da IA – adverte a Nota – poderiam aumentar os recursos bélicos “muito além do alcance do controle humano”, acelerando “uma corrida desestabilizadora por armamentos com consequências devastadoras para os direitos humanos” [99].
Perigos e progressos
Mais detalhadamente, o documento enumera com equilíbrio ponderado os perigos da IA, mas também os progressos, que, aliás, incentiva como “parte da colaboração” do homem com Deus “para levar à perfeição a criação visível” [2]. A preocupação, no entanto, é grande e decorre de todas as inovações cujos efeitos ainda são imprevisíveis, inclusive naquilo que, no momento, parece inofensivo, como a geração de textos e imagens.
Distinguir entre IA e inteligência humana
Portanto, são considerações éticas e antropológicas que estão no centro da reflexão dos dois Dicastérios, que dedicam vários parágrafos da Nota à distinção “decisiva” entre Inteligência Artificial e inteligência humana. Esta última “se exerce nas relações” [18], é modelada por Deus e “é moldada por uma miríade de experiências vividas na corporeidade”. A IA “não possui a capacidade de evoluir nesse sentido” [31]. A visão que ela oferece é “funcionalista”, avaliando as pessoas apenas com base em trabalhos e resultados, enquanto a dignidade humana é imprescindível e permanece sempre intacta. Mesmo em “uma criança ainda não nascida”, em “uma pessoa em estado não consciente” ou em “um idoso em sofrimento” [34]. É, portanto, “enganoso” usar a própria palavra “inteligência” em referência à IA: ela não é “uma forma artificial de inteligência”, mas “um dos seus produtos” [35].
Poder nas mãos de poucos
E, como todo produto do engenho humano, também a IA pode ser direcionada para “fins positivos ou negativos”, destaca a Antiqua et Nova. Não se nega que a Inteligência Artificial possa introduzir “inovações importantes” em diversos campos [48], mas há o risco de agravar situações de marginalização, discriminação, pobreza, “divisão digital” e desigualdades sociais [52]. O que levanta “preocupações éticas” em especial é o fato de que “a maior parte do poder sobre as principais aplicações da IA esteja concentrada nas mãos de poucas empresas poderosas” [53], permitindo que essa tecnologia seja manipulada para “lucros pessoais ou corporativos” ou para “orientar a opinião pública em favor dos interesses de um setor” [53].
Guerra
A Nota examina, em seguida, os vários aspectos da vida em relação à IA. Inevitável é a referência à guerra. As “capacidades analíticas” da IA poderiam ser utilizadas para ajudar as nações a buscar paz e segurança, mas um “grave motivo de preocupação ética” são os sistemas de armas autônomas e letais, capazes de “identificar e atingir alvos sem intervenção humana direta” [100]. O Papa pediu com urgência o banimento de seu uso, como afirmou no G7 na Puglia: “Nenhuma máquina jamais deveria decidir tirar a vida de um ser humano”. Máquinas capazes de matar com precisão de forma autônoma e outras aptas à destruição em massa representam uma verdadeira ameaça para “a sobrevivência
da humanidade ou de regiões inteiras” [101]. Essas tecnologias “conferem à guerra um poder destrutivo incontrolável, atingindo muitos civis inocentes, sem poupar sequer as crianças”, denuncia a Antiqua et Nova. Para evitar que a humanidade caia em “espirais de autodestruição”, é indispensável “adotar uma posição firme contra todas as aplicações da tecnologia que ameaçam intrinsecamente a vida e a dignidade da pessoa humana”.
Relações humanas
Sobre as relações humanas, o documento observa que a IA pode, sim, “favorecer as conexões”, mas, ao mesmo tempo, levar a “um isolamento prejudicial” [58]. A “antropomorfização da IA” também apresenta problemas específicos para o desenvolvimento das crianças, incentivadas a entender “as relações humanas de maneira utilitarista”, como ocorre com os chatbots [60]. É “errado” representar a IA como uma pessoa, e é “uma grave violação ética” utilizá-la para fins fraudulentos. Da mesma forma, “usar a IA para enganar em outros contextos – como na educação ou nas relações humanas, incluindo a esfera da sexualidade – é profundamente imoral e exige vigilância rigorosa” [62].
Economia e trabalho
Essa mesma vigilância é exigida no campo econômico-financeiro. Em particular, no âmbito do trabalho, destaca-se que, se por um lado a IA tem “potencial” para aumentar competências e produtividade ou criar novos empregos, por outro, pode “desqualificar os trabalhadores, submetê-los a uma vigilância automatizada e relegá-los a funções rígidas e repetitivas” [67], a ponto de “sufocar” toda capacidade inovadora. “Não se deve buscar substituir cada vez mais o trabalho humano pelo progresso tecnológico: ao fazê-lo, a humanidade prejudicaria a si mesma”, ressalta a Nota [70].
Fonte: Vatican News