Antes de mais nada, sem menosprezar o nível cultural dos leitores, nem desejar parecer esnobe ou professoral, entendo, para o deslinde do tema que passaremos a discorrer, necessário esclarecer o significado da tão propalada palavra: “royalties”.
“Royalty ou royaltie é uma palavra de origem inglesa derivada do vocábulo “royal” que significa aquilo que pertence ou é relativo ao Rei, monarca ou nobre, podendo ser usada também para se referir à realeza ou nobreza. Seu plural é royalties. Na antiguidade, royalties eram os valores pagos por terceiros ao rei ou nobre, como compensação pela extração de recursos naturais existentes em suas terras, como madeira, água, recursos minerais ou outros recursos naturais, incluindo, muitas vezes, a caça e pesca, ou ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos.” (Dicionário Wikpédia)
Atualmente, royaltie trata-se da compensação financeira paga ao proprietário da terra ou área em que ocorre a extração ou mineração de petróleo ou gás natural. No Brasil o petróleo pertence à União, embora a Lei nº 9.478/1997 garanta que, após extraído, a posse do petróleo passa a ser da empresa que realiza a extração deste recurso natural, mediante o pagamento dos royalties ao governo. Neste caso, a União divide estes royalties entre o Governo Federal, estados e municípios onde ocorre a extração de petróleo localizado no subsolo destas unidades da Federação. Atualmente está em discussão a mudança no sistema de distribuição dos royalties do petróleo no Brasil, com a votação de uma nova lei ordinária para regulamentar esta questão, conforme previsto pela Constituição. A referida mudança tem sido foco recente dos noticiários nacionais.
Ao final de fevereiro deste ano o TRF 5ª – Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com sede na cidade do Recife, Permnambuco, negou seguimento ao recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Penedo, contra a Petrobrás, numa Ação que visava o pagamento de Royalties. A ação, teve início em 2008 na gestão do ex-prefeito Marcius Beltrão, administração que ainda chegou a “usufruir” alguns meses dos royalties objeto da mesma. A ação foi intentada por um escritório de advocacia terceirizado, com contrato de êxito, aquele que somente é pago se o objeto da causa for alcançado. O problema destes contratos é que o objeto na maioria das vezes é obtido mediante medida liminar. Se a tese defendida prosperar e, no mérito, for confirmada a liminar, ótimo. Honorários são mais do que devidos. Particularmente, em princípio, não tenho óbice a tais contratações, notadamente aquelas que visem um assessoramento jurídico especializado em determinada matéria não usual no dia a dia de uma Procuradoria Geral. Rendo-me ao princípio da eficiência, recolho-me a minha jurídica insignificância. Sei que procuradores velhos, efetivos, gordos e com vencimentos elevados, costumam ser evitados por Prefeitos e Secretários. É normal. Independência as vezes é recebida como intransigência, principalmente quando se trata de gestores e assessores sem visão gerencial ou jurídica, acrescidos de uma singular presunção de sabedoria. Os escritórios terceirizados são eloquentes. Advogados novos, simpáticos, perfil de jovem talentoso e de sucesso, ternos impecáveis, óculos elegantes, relógio as vezes falso, mas, de griffe. Reluzente e novo modelo de automóvel, estrategicamente estacionado na porta da prefeitura, constitui-se no protótipo do advogado perfeito. Garantia de sentença favorável é certa. O escritório tem excelente trânsito e “contatos”, afirmam seus interlocutores. Para o futuro cliente… “esse é o cara”. Nos corredores da AMA – Associação dos Municípíos de Alagoas, a exemplo de outras congêneres espalhadas pelo Brasil, escritórios deste tipo se contorcem entre si em inúmeros orgasmos jurídicos. No fundo a velha promessa do dinheiro fácil: ICM’s, IR, FPM, ISS, Roylties etc, tudo num passe de mágica. Penedo, seguindo a fileira dos demais municípios se deixou seduzir. Firmou o contrato. Com algumas indas e vindas no processo, inclusive seu desaparecimento e restauração, a liminar saiu. No ano de 2007 os royalties transferidos para Penedo totalizaram R$161.654,44. Com a concessão da liminar em 2008 elevou-se para R$4.438.047,41. No exercício de 2009 foram recebidos R$6.189.948,97. Contando com o que foi transferido nos primeiros meses de 2010 podemos ter ultrapassado a casa dos R$12.000.000,00 em royalties.
Ao final de fevereiro último, com a nova decisão do Tribunal Federal as transferências foram suspensas. No caso dos royalties de Penedo a mágica consistia em obter uma liminar para lhes aumentar o valor com base na existência de uma City Gate, prevista no projeto do gasoduto que corta o município, mas ainda não construída. Outro desafio era o de convencer o TRF da 5ª Região de que City Gate é uma estação de embarque e desembarque com a função de coletar a produção do petróleo ou do gás natural e transferi-los para fora da região produtora. A primeira barreira consistia em provar o que não existe. A city gate de Penedo está sendo construída este ano pela empresa Montec. Fato público e notório. Documentos fabricados não tem o condão de construir o que ainda não foi erguido. A segunda dificuldade seria convencer o TRF em adotar julgamento contrário ao seu próprio entendimento, no qual os “city gates integram a distribuição do gás processado, e não a sua produção. Assim, por não coletarem o gás natural dos campos produtores, e sim gás processado, os city gates não se enquadram na definição de instalações terrestres de embarque e desembarque prevista na Lei n° 7.990/1989, no Decreto n° 1/1991 e na Portaria da ANP nº 29/2001. A simples passagem de gasoduto por Município não lhe garante a percepção de royalties”.
Fim da farra. Das cifras recebidas provavelmente 20% foram gastas com pagamento de honorários, algo em torno da bagatela de R$2.400.000,00 valor equivalente a 90 veículos do tipo Gol 2010 zero. Tanto dinheiro e Penedo continua sem teto e sem estrutura administrativa. Praticamente tudo é locado. A informatização é rudimentar e falta-lhe imp-lantação de mecanismos de controle. A Prefeitura faz casa para os outros mas vive refém do aluguel. O curioso é que não existe impedimento na lei para a utilização do valor dos royalties. A única restrição é que não podem ser usados para pagar salários. Infelizmente, Penedo seguiu o mesmo trajeto das demais cidades brasileiras. Os municípios que recebem royalties e participações especiais pela produção de petróleo estão desperdiçando o dinheiro com o custeio da máquina pública, em vez de aplicar essas receitas em projetos de infra-estrutura, desenvolvimento econômico, saúde e educação. Dados levantados pela Universidade Cândido Mendes (Ucam) e pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) de Campos mostram que, dos 12 municípios que têm mais de 40% das receitas vindas da exploração de petróleo, apenas dois investem mais da metade dos recursos. Para acompanhar o efeito dos royalties sobre o desenvolvimento desses municípios, as duas instituições criaram o Info Royalties, uma ferramenta online que permite o cruzamento de dados sobre as receitas e a aplicação dos recursos proporcionados pelo petróleo (http://inforoyalties.ucam-campos.br). Penedo desperdiçou uma rara oportunidade de ter ao menos estruturado a sua máquina administrativa para se desvencilhar da custosa dependência das terceirizações. O pior é que foi montada uma gestão sob um frágil alicerce financeiro que agora se esvai. Pelo discurso do atual prefeito Alexandre Toledo, ao anunciar a queda dos royalties constata-se que até mesmo reduções salariais ou demissões poderão ocorrer. Em síntese, depreende-se que o dinheiro estava sendo usado com o custeio da máquina pública (uma ampla gama de gastos que vão desde o cafezinho até a compra de remédios e gasolina para ambulâncias) e o salário de funcionários. Dura realidade agora é conviver sem o dinheiro dos royalties. Em suma, alheios a tudo contemplamos a pirotecnia jurídica, nos encantamos com o conforto do dinheiro fácil, de fonte não perene ou inconsistente, pagamos elevados honorários, para ao final acordamos de bolsos e prateleiras vazias. Se com os royalties estava difícil, sua ausência com certeza deixará seqüelas. Nesta Semana Santa teve início um longo calvário começa para o povo penedense.