Assegurar uma alimentação de qualidade e que atenda às necessidades nutricionais dos alunos matriculados na rede pública estadual de Sergipe, incluindo o consumo dos gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar. Este é o desafio que vem sendo enfrentado pelo Departamento de Alimentação Escolar da Secretaria de Estado da Educação (Seed), e que tem transformado Sergipe em uma referência de sucesso no cenário nacional.
A inclusão dos produtos da agricultura familiar na merenda escolar era uma ideia que vinha sendo trabalhada pelo Governo do Estado desde 2007, quando foram iniciados os estudos para encontrar alternativas do ponto de vista legal e logístico que permitissem a compra direta dos produtores nos diversos municípios e a distribuição dos alimentos nas cerca de 400 escolas da rede estadual nos municípios.
A partir da Lei 11.947, de 16 de junho de 2009, ficou estabelecido que no mínimo 30% do total repassado ao Governo do Estado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para aquisição de alimentação escolar deveriam ser utilizados na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar.
Articulação com o Mercado
Outro dos ingredientes que fazem a receita de sucesso do programa da merenda escolar é a assistência técnica que, além de oferecer o suporte para a atividade agrícola, também promove a articulação qualificada dos produtores com o mercado. “Além da orientação no aspecto produtivo, nós também trabalhamos a organização dos produtores para poder vender atendendo às exigências dos mercados institucionais. Este é um dos papéis fundamentais da Emdagro nesse processo”, afirma o assessor da presidência da Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), engenheiro agrônomo Jodemir Pires Freitas.
Segundo ele, a Emdagro participou decisivamente oferecendo o apoio para a organização dos produtores. “Até 2010, só duas organizações, entre associações e cooperativas, estavam aptas legalmente para participar do processo de compras dos programas governamentais em Sergipe. No ano seguinte, 2011, já 20 organizações estavam habilitadas a participar dos processos. Mostramos que o ideal é buscar o trabalho sincronizado”, revelou o assessor, referindo-se à organização institucional dos produtores para participar do processo de compras tanto do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), quanto do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do Governo Federal, e até pra o programa 'Frutos da Terra', desenvolvido pelo Governo do Estado.
Estes benefícios, através da orientação e organização, elevam a produtividade e a competitividade dos produtores, consolidando toda a cadeia produtiva que está se fortalecendo cada vez mais no estado. Assim, tanto os produtores se beneficiam nas compras públicas, quanto incrementam mais eficiência na produção e comercialização com o mercado em geral.
Desafio
Segundo a diretora do Departamento de Alimentação Escolar (DAE), Ednéia Elizabete Cardoso Sobral, a partir daí o grande desafio foi elaborar uma metodologia eficaz que garantisse agilidade, segurança e qualidade na aquisição dos alimentos junto aos produtores. “Nosso grande obstáculo era a informalidade de grande parte destes produtores que ainda não estavam preparados para atender a essa nova modalidade de consumo”, explica.
Nesse momento, diversas alternativas eram discutidas entre técnicos da Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos (Cohidro), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), além dos técnicos dos ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Desenvolvimento Social (MDS), para organizar os produtores tanto na produção quanto na comercialização para atender às novas demandas.
“Como seria difícil elaborarmos uma licitação onde os agricultores familiares pudessem participar com êxito, decidimos pelo modelo de chamamento público onde, ainda em 2009, disponibilizamos a soma de R$ 1,4 milhão, e conseguimos contratar apenas R$ 56,4 mil, referentes à aquisição de 16.400kg de batata doce e 26.170kg de abóbora de leite junto à Cooperativa de Produtores da Agricultura Familiar e Solidária de Moita Bonita (Cooperafes)”, descreveu Ednéia Sobral.
A partir daí, com a participação e adequação aos requisitos legais das cooperativas, os produtos da agricultura familiar vêm ampliando significativamente a sua participação no cardápio das escolas estaduais onde, em 2011, já foi contratada a soma de aproximadamente R$ 2,5 milhões onde as cooperativas, trabalhando em parceria, fornecem os alimentos atualmente a 378 escolas da rede estadual, atendendo a clientela formada por alunos do ensino fundamental, médio, Educação Para Jovens e Adultos (EJA Fundamental e Médio), Créches, pré-escolas, programa Mais Educação, Educação de Indígenas e Quilombolas.
Todo o processo de aquisição dos alimentos é submetido à apreciação da Procuradoria Geral do Estado (PGE) para garantir a plena obediência aos preceitos legais. Além disso, o DAE também teve a atribuição de montar uma estrutura de acompanhamento da qualidade dos alimentos que conta com uma engenheira de alimentos, nutricionistas e monitoramento do Conselho de Alimentação Escolar.
Além disso, a Seed tem buscado realizar frequentemente capacitações com as merendeiras sobre técnicas de manipulação e armazenamento de alimentos para garantir a oferta de uma merenda de qualidade e em prefeitas condições. “Mesmo assim, reconhecemos que ainda é preciso melhorar muito a estrutura das escolas e a própria atuação de todo o pessoal envolvido. Mas estamos avançando e trilhando o caminho certo”, pondera Ednéia Sobral.
O secretário de Estado da Educação, Belivaldo Chagas, afirmou que a merenda escolar é uma das prioridades da Educação. Ele disse que a alimentação está universalizada na rede estadual com os alunos do ensino fundamental e médio sendo atendidos. “Estamos estruturando as escolas para acondicionarem melhor os alimentos. As 65 unidades que o governo reformou nos últimos cinco anos receberam nova cozinha, refeitório e despensa. Sabemos que a merenda escolar também serve de atrativo para nossos alunos e precisamos mantê-los na escola”, acrescentou Belivaldo.
Logística
Para atendimento a todo esse público, que consome cerca de 225 mil refeições diárias, entre alunos de meio período e alunos em período integral, as cooperativas consorciadas montaram uma rede de distribuição e centrais de abastecimento que garantem a agilidade na entregas dos alimentos mesmo nas localidades mais distantes.
Para o presidente da Cooperafes, de Moita Bonita, uma das primeiras cooperativas a participar da parceria, Joelito Costa Santos, esta foi uma oportunidade para ampliar os negócios sem a necessidade de recorrer aos atravessadores. “Desde que começamos a vender nossos produtos para o programa da merenda escolar nossa cooperativa se fortaleceu e os agricultores passaram a produzir mais e melhor, já que recebemos orientação e capacitação. Nossos produtos hoje alcançam um excelente nível de qualidade e, inclusive, oferecemos garantia de troca caso haja problema com algum dos alimentos”, afirma o presidente.
Segundo ele, um dos grandes elementos que garantiu o sucesso da iniciativa foi a política de preços que segue as orientações da Conab e também a sazonalidade. “Nós saímos de um faturamento que alcançava de R$ 100 a 150 mil/ano, para um patamar de R$ 1,5 a R$ 2 milhões/ano. Isso permitiu que adotássemos métodos mais eficientes de gestão, adquiríssemos um veículo utilitário e, inclusive, montássemos uma central de distribuição para buscar os alimentos junto aos produtores e entregar diretamente nas escolas”, explicou Joelito.
A central de distribuição em Moita Bonita atende a diversos municípios da região e também outras regiões do estado, em parceria com as respectivas cooperativas regionais. Só na central são gerados 26 empregos diretos além de diversos indiretos, uma vez que os caminhões que recolhem e entregam os alimentos são sublocados em diversos municípios, com a respectiva mão de obra para a operação.
Entre as cooperativas que forneceram alimentos para a merenda escolar em 2011 está a União das Associações Agrícolas do Assentamento Jacaré-Curituba (Unituba), também um caso de sucesso e aumento de produtividade, que fornece alimentos como milho verde, arroz, quiabo, tomate, pimentão, chuchu, melancia, alface, repolho, macaxeira, cebola e feijão. Estes são alimentos que saem diretamente dos assentamentos para o prato dos alunos da rede estadual.
Também fornecem alimentos para o programa a Associação de Criadores e Produtores União (Aspocriu), que congrega produtores do Agreste e Sertão fornecendo bebida láctea e iogurte. A Cooperativa de Produção, Comércio e Prestação de Serviços dos Agricultores Familiares de Indiaroba e Região (Cooperafir), que fornece produtos como banana, leite de coco, tangerina e laranja. A Cooperativa dos Produtores Agrícolas do Território Sul de Sergipe (Coopatsul) fornece sucos de frutas como acerola e maracujá, além da própria Cooperafes que através dos seus 47 cooperados continua fornecendo além do carro-chefe que é a batata doce, alimentos como inahme, couve e farinha de mandioca.
Outra inovação foi introduzida com a inclusão do mel de abelha na merenda escolar, seja em sachê ou em outras apresentações que beneficiou a qualidade nutricional e ainda agradou muito ao paladar dos alunos atendidos. O fornecimento de mel fica a cargo da Cooperativa Apícola de Sergipe (Coapise).
Êxito
Além de promover um grande benefício para os agricultores familiares de Sergipe, a política de inclusão dos produtos da agricultura familiar na alimentação escolar aplicada aqui chamou a atenção de organismos nacionais e internacionais ligados à alimentação como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO- Food and Agriculture Organization) que, através da Agência Brasileira de Cooperação e diversos ministérios e instituições, enviou a Sergipe uma missão de representantes de países africanos.
De 11 a 21 de abril de 2011, os representantes de Gana, Quênia, Zimbábue e Ruanda, numa comitiva formada por técnicos em agricultura familiar, alimentação escolar e abastecimento estiveram em Sergipe para conhecer a “mecânica” do projeto desenvolvido aqui, que é hoje um dos que alcançou maior percentual de êxito no Brasil, dentro da premissa de oferecer 30% da merenda escolar com produtos da agricultura familiar.
Nos próximos dias, toda esta estrutura garantirá o fornecimento das refeições que, em muitos casos, são a grande motivação para que crianças carentes frequentem as escolas da rede pública em todos os 75 municípios sergipanos. Nestas escolas, muitas destas crianças encontram as únicas refeições regulares a que tem acesso durante todo o dia, e é este também um dos grandes fatores motivadores das centenas de profissionais envolvidos em todo o processo.