A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Pereira de Carvalho, acredita que a recente condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) vá levar o Poder Judiciário a rever decisões quanto ao chamado “direito de transição”, que engloba o restabelecimento da memória e reparações quanto a crimes ocorridos em períodos de exceção como a ditadura militar (1964-1985). O Brasil foi condenado na OEA devido à impunidade e falta de apuração com relação ao desaparecimento de pessoas envolvidas na Guerrilha do Araguaia (início dos anos 1970).
Entre as decisões que deverão ser revistas está o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei da Anistia. De acordo com a decisão tomada em abril, foi mantida a interpretação de que a lei anistia crimes comuns, como sequestro, tortura, estupro e assassinato, cometidos por agentes do Estado contra movimentos guerrilheiros e de resistência à ditadura militar.
“Se há uma decisão internacional que o Brasil convencionou que iria obedecer, deverá existir no ordenamento político normas que façam com que as instâncias superiores do Judiciário possam rever a sua posição e possam ter um novo olhar”, disse Gilda de Carvalho à Agência Brasil ao afirmar que se não existir norma jurídica para revisão caberá o Congresso Nacional formular novas leis. “O Brasil não vai faltar com suas obrigações. Se o país se submeteu vai ter que seguir.”
A procuradora também espera que os congressistas da próxima legislatura, que tomam posse em fevereiro, encaminhem o Projeto de Lei 7.376 que cria a Comissão Nacional da Verdade. O projeto foi enviado pelo governo em maio, mas até hoje não foram indicados os nomes da comissão especial que deverá analisar a proposta. Apesar de ter elaborado o texto para criação da comissão (prevista na terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH 3), o governo não pediu tramitação de urgência do projeto.
Gilda Carvalho coordena o Grupo de Trabalho Memória e Verdade no Ministério Público Federal. O grupo orienta procuradores federais e estaduais nos processos sobre violação de direitos humanos na ditadura militar e sobre a consulta a documentos da repressão política daquele período.
Na semana passada, a procuradora federal sugeriu, durante seminário internacional promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que o Congresso crie a Comissão da Verdade com mais autonomia orçamentária e independência. De acordo com o projeto de lei enviado pelo governo, a futura Comissão da Verdade será integrada por sete pessoas escolhidas pelo presidente da República.
Segundo o projeto, não caberá à comissão fazer julgamentos, apenas tratar informações e colher depoimentos. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MPF poderá, com base nos fatos levantados na comissão, acionar a Justiça para a apuração de responsabilidades civis.