Sem esperarmos, fomos ouvintes de tamanho disparate. Imaginem o acanhamento ao ouvi-lo cheio de indignação a espinafrar o desonesto. Frio e desavergonhado, envergonhados ficamos nós, rostos ruborizados, não sabíamos como disfarçar o mal-estar.
Era natural que logo após esse desconfortável incidente, a nossa imaginação começasse a especular para tentar encontrar uma explicação para tamanho cinismo. Após algumas divagações, chegamos a conclusão que o político corrupto imagina que ladrão é apenas aquele que de má-fé se apropria de algo que não lhe pertence. Não o é o que subtrai o dinheiro público.
Dizia Aristóteles que nada inspira menos interesse do que um objeto cuja posse é comum a um grande número de pessoas. Concordamos plenamente com essa opinião. O dinheiro público, pertencendo a todos nós, não passa de um direito difuso. A própria significação de dinheiro do povo, tem um sentido um tanto vago, sem uma realidade concreta por não atender diretamente o interesse de cada um. Como povo não passa de um amontoado de cabeças ocas, sem o espírito do coletivo, o seu dinheiro, sem a devida vigilância, desperta, fazendo exceção à regra do pensamento acima de Aristóteles, o apetite voraz do político corrupto. Como não se trata de um furto, segundo deve imaginar, a sua apropriação não passa de um adiantamento da sua legítima parte, direito restrito ao administrador gatuno.
Queremos acreditar que a opinião acima tem algum fundo de verdade. Se não pensassem assim, como devemos explicar a naturalidade desses ratos que desfilam pelas ruas de cabeças erguidas, como os mais honestos dos homens? Será que muitos políticos, após eleitos, são aliciados por uma seita secreta que os obrigam a fazer uma sessão de nudismo moral, uma conspiração contra a honestidade para se aliarem, induzidos por uma força diabólica, zelosos amigos do vício lucrativo? Haja conjeturas absurdas e obscuras para entendê-los!
Não bastasse a rapinagem, esses personagens da lama nos irritam por pensarem que são os bambas da esperteza e todos nós, pobres coitados, ignoramos todas as suas falcatruas. Carregando dentro de si o complexo de superioridade, não passam, à luz dos fatos que se desenrolam quase todos os dias, de verdadeiros canastrões do crime. São pobres conservadores, sem nenhuma inovação na arte de surrupiar o dinheiro público. Os métodos são os mesmos, qualificando-os, senão de burros, no mínimo negligentes. Para não continuarem a aporrinhar a nossa paciência com a mesmice das cenas exibidas pela televisão, por que não criam a LADROBRÁS, escola de aperfeiçoamento para os ladrões da administração pública? Ela irá ensiná-los, na hora de aplicar o golpe, a domar, através da ioga, a impaciente ganância que cega e faz descuidar-se da defesa. Aconselhará a não armar estratégia de assalto por telefone.
O grampo está muito manjado. A não depositarem em sua conta corrente o dinheiro do crime.
Há a quebra de sigilo bancário. Por que não um colchão de dinheiro? Poderão, carinhosamente, afagá-lo como fazem os avarentos. A não tramarem o golpe nas proximidades de terceiros. Existem os que fazem a leitura labial. A serem ariscos como o soldado espartano que, não recebendo o soldo para garantir-lhe a sobrevivência, era permitido que furtasse, contanto que não fosse pego em flagrante. A serem inteligentes, perspicazes, um autêntico ladrão para não protagonizar cenas cômicas de por dinheiro na cueca e nas meias. Se esse hábito se generalizar, nossa bandeira poderá perder o lema Ordem e Progresso e passará a ter o bolso e a cueca como símbolo da nossa moralidade. Não duvidem.
A pior condição do ser humano é sentir-se sozinho em situação adversa de infelicidade, de sofrimento, de dor de consciência e miséria. Outros devem fazer-lhe companhia para aliviar o fardo. Os nossos corruptos, que parecem achar que ladrão é apenas o que atua fora da área política, não têm drama de consciência vez que muitos colegas estão no mesmo barco, fato que lhes oferece o mais confortável alívio de consciência.
Na linha do pitoresco, supomos que esse componente psicológico seja mais uma razão para explicar o cinismo do corrupto para falar mal do ladrão comum. São tantos a formarem essa confraria de gatunos que chegam a sentir a sensação de inocência e de se acharem capazes de transformar o crime em virtude.