×

Meio Ambiente

Por que pesquisadores estrangeiros estão preocupados com a conservação ambiental no Brasil?

Desmatamento no interior de Alagoas

Um manifesto publicado na revista “Science” no fim de abril chamou atenção da comunidade científica internacional e da classe política brasileira. Mais de 600 pesquisadores pediram à União Europeia que condicione as parcerias com o Brasil à proteção ambiental. Afinal, por que há essa preocupação internacional?

De acordo com cientistas ouvidos pelo G1 e pesquisas consultadas pela reportagem, o Brasil é importante para o equilíbrio ambiental do mundo inteiro pelas seguintes razões:

É o país mais biodiverso do mundo;
Está entre os líderes de produção de alimentos no planeta;
Grande cobertura florestal diminui as concentrações de carbono na atmosfera – o que impacta na temperatura média de todo o mundo.

Por isso, alguns dados divulgados recentemente chamaram a atenção da comunidade científica internacional. A Amazônia perdeu 18% da área de floresta em três décadas, e o Brasil foi o país que mais desmatou em 2018.

Embora esses dados apontem para anos anteriores e, portanto, outros governos brasileiros, ambientalistas preocupados com a possibilidade de a devastação se acentuar chamam atenção por medidas e situações ligadas à atual administração, do presidente Jair Bolsonaro. Veja quais:

Desistência de sediar a Conferência do Clima da ONU este ano;
Transferência da responsabilidade sobre demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura;
Possibilidade de retirar o Brasil do Acordo de Paris – intenção posteriormente rejeitada pelo presidente Jair Bolsonaro;
Possibilidade de fusão do Ibama com o ICMBio;
Demora na digitalização de processos do Ibama, impedindo a arrecadação de bilhões em multas;
Declaração de Bolsonaro sobre 'limpa' no Ibama e no ICMBio;
Ministério do Meio Ambiente tira do ar site com mapas de áreas para conservação.

Além da reação dos cientistas europeus, o Museu de História Natural de Nova York revogou o aluguel cedido a um evento que homenagearia Bolsonaro.

Um dos motivos, segundo nota do estabelecimento, era a preocupação com a “necessidade urgente de conservar a Amazônia, que tem profundas implicações para a diversidade biológica, as comunidades indígenas, mudança climática e o futuro da saúde do nosso planeta”.

O que diz o governo?

Assim que soube do manifesto enviado à União Europeia por mais de 600 cientistas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, rebateu as acusações. Em entrevista à GloboNews, Salles afirmou que o texto não tem “credibilidade” e que se trata de uma “discussão comercial disfarçada”.

Ainda na entrevista, o ministro disse que o “Brasil é exemplo de sustentabilidade” e que o “problema ambiental brasileiro está nas cidades, e não no campo”. Segundo ele, o agronegócio brasileiro “é o mais comprometido com a preservação do meio ambiente no mundo”.

Salles também afirmou ainda que, em comparação com outros países, “nós é que somos exemplo de cuidado com o meio ambiente”.

“Nenhum desses países europeus faz nem de longe o que o agronegócio brasileiro faz pelo meio ambiente. (…) Nós é que mostramos como é que se faz”, disse o ministro.
A resposta de Salles vai na linha do que afirmou o presidente Bolsonaro durante discurso no Fórum Mundial Econômico de Davos, em janeiro: “Somos o país que mais preserva o meio ambiente”.

Como pesquisadores avaliam as declarações do governo?
Em resposta enviada ao G1, os cientistas brasileiros Tiago Reis, Universidade Católica de Louvain (Bélgica), e Laura Kehoe, da Universidade de Oxford (Reino Unido), repudiaram a fala de Salles.

“A carta é apoiada por centenas de cientistas de algumas das melhores universidades do mundo, e foi publicada pela revista científica de maior reconhecimento internacional, a “Science”. Se isso não tem credibilidade, como diz o ministro, o que ou quem tem credibilidade então?”, questionaram.

No texto, os dois pesquisadores ainda disseram que “há, de fato, interesses velados” na publicação do manifesto.

“Esses interesses estão ligados à proteção das futuras gerações, à habitabilidade da terra, e à conciliação entre produção e conservação”, afirmaram.

Não houve protestos em governos anteriores?

Houve. Governos anteriores também receberam críticas pela forma com a qual lidavam com a questão ambiental.

A ex-presidente Dilma Rousseff, que governou o Brasil entre 2011 e 2016, foi alvo de ambientalistas por autorizar as construções de duas usinas contestadas: a hidrelétrica de Belo Monte e a nuclear Angra 3.

Além disso, ativistas criticaram o Código Florestal aprovado em 2012, com vetos, pela então presidente Dilma. Grupos como o Greenpeace acreditavam que toda a proposta merecia veto, e não apenas parte dele, por, entre outras razões, conceder anistia a quem desmatou até 2008 – desde que houvesse reflorestamento.

Em junho de 2017, no governo de Michel Temer, a Noruega anunciou o corte pela metade os repasses ao Fundo Amazônia previsto para o ano que vem.

O governo norueguês disse, na ocasião, que voltaria a financiar as iniciativas de preservação caso o desmatamento diminuísse. O G1 entrou em contato com o Ministério do Clima e do Meio Ambiente da Noruega, mas não obteve resposta.

Além disso, dados do projeto Mapbiomas – parceria entre universidades, ONGs, institutos nacionais e o Google – mostram que o Brasil teve dois picos de desmatamento nas três últimas décadas: entre os anos de 1994 e 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, e em 2004 e 2005, com Lula.

No entanto, tanto no governo de FHC quanto no de Lula, houve alta na criação de Unidades de Conservação e terras indígenas. Outro marco foi a criação do Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia, criado por sugestão da então ministra Marina Silva.

A pesquisadora norueguesa Solveig Aamodt, do Centro Internacional de Pesquisa do Clima (Cicero), afirma que os governos brasileiros costumavam dar sinais de que a redução do desmatamento era prioridade.

“Depois de 2004 desmatamento foi reduzido, e mesmo que as taxas de desmatamento variem de ano para ano, os governos brasileiros sempre disseram aos seus parceiros internacionais que a redução desmatamento é uma prioridade”, disse.
Para o cientista Tiago Reis, da Universidade de Louvain (Bélgica), o Brasil sempre esteve sob olhares atentos da comunidade internacional no que diz respeito a preservação. “Se patrimônio ambiental fosse PIB, ele seria a maior potência do mundo”, analisou.

E por que tantas iniciativas da Europa?

O puxão de orelha da Noruega em 2017 e o manifesto enviado à União Europeia reforçam a impressão de que o Velho Continente é o mais preocupado politicamente com a questão ambiental no mundo.

Na visão da pesquisadora Laura Kehoe, da Universidade de Oxford e uma das autoras do abaixo-assinado, a própria população europeia pressiona as autoridades a tomarem atitudes pelo meio ambiente.

“A vasta maioria dos europeus acredita que a União Europeia faz menos do que o suficiente para evitar as mudanças climáticas”, afirmou Kehoe ao G1.
A cientista acredita que as próximas eleições parlamentares europeias – marcadas para o fim de maio – podem refletir essa preocupação. “As pesquisas recentes mostram que os eleitores estão, sim, priorizando o combate às mudanças climáticas”, apontou Kehoe.

Em parte, a preocupação dos europeus se explica por recentes fenômenos atribuídos às mudanças climáticas. Ondas de calor se intensificaram desde o início do século.

No ano passado, incêndios florestais em Portugal e temperaturas acima dos 40°C em outras partes do continente causaram mortes. Termômetros registraram, inclusive, mais de 30°C em áreas acima do Círculo Polar Ártico – ou seja, perto do Polo Norte.

O pesquisador Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda que há pressão estrangeira ao Brasil. “Consumidores têm buscado produtos mais sustentáveis e estão pressionando seus países a tomar medidas mais sustentáveis”, afirmou.

Entretanto, Rajão deu exemplo de quando nem sempre essa pressão internacional surte o efeito necessário.

“Europa só compra soja vinculada a desmatamento zero, e isso não impediu a produção de soja na Amazônia”, ponderou.