Não se tratava de uma crônica sobre o pacato e inofensivo réptil, mas de uma curiosa observação sobre diferenças e semelhanças entre os dois. Naturalmente que existem outros animais que podem servir de comparação. Isso porque, supomos, todos nós, com a diversidade de comportamento, sempre nos identificamos com um outro representante do reino animal. Existem aqueles que são mais comuns ao homem, como os leões, a pomba, a raposa, o rato, o porco e o abutre. No campo da política, por exemplo, a proverbial sagacidade da raposa aparece em primeiro lugar.
Mas no que tange às diferenças e semelhanças entre os dois personagens acima, a primeira coisa em comum é a camuflagem sob aspectos e finalidades diferentes. O camaleão camufla-se com a mudança de cor e tem como finalidade proteger-se dos predadores, ao passo que a camuflagem do mau político aparece vestida com as cores da malícia, da mentira e da traição entre outras indignidades. Uma outra similitude diz respeito ao tamanho da língua. Temos certeza que poucas pessoas tiveram a oportunidade de ver o tamanho descomunal da língua do camaleão. Além de grande é pegajosa. O camaleão mira sua presa, geralmente um inseto, e arremessa sua língua. Nunca falha sua pontaria. É o seu instrumento de caça para garantir-lhe a sobrevivência. A língua do mau político, também enorme, serve de esgoto de toda sua vileza. Presta-se também para arremessar à distância o cuspe na cara do eleitor incauto e ingênuo.
É no período eleitoral, tempo da caça intensiva, que o arremedo de político, com seu apetite voraz, mais muda de cor. Para ludibriar, veste-se com as cores da honestidade, trabalho, competência, confiança, sinceridade e outras tonalidades que possam ludibriar o pobre eleitor. Como se fossem obra do milagre, as boas qualidades de caráter, antes adormecidas, brotam em cascata.
Afirma-se que na guerra, apesar das horríveis atrocidades, afloram os mais belos sentimentos de humanismo e solidariedade. Acreditamos que sim, porque resultam do sofrimento, fogo purificador. Não quer isso dizer que as expansões de bondade e solidariedade só possam surgir nas adversidades. Certas coisas, segundo as nossas expectativas, deveriam acontecer conforme sua compatibilidade com o local e o momento. Muitos políticos camaleônicos, desconhecendo ou alheios a essa constatação, desprezam a ocasião apropriada para encenar no palco das ruas os mais elevados sentimentos capazes de traduzir a política na verdadeira essência do seu significado. Na verdade, eles encenam e podem, na aparência, interpretar bem a esse respeito, mas pecam pela falta de honestidade. Limitados e corrompidos pelo vício, preferem enlameá-la, desacreditá-la e, o que é pior, desacreditarem-se a si próprios.
Há, como muito bem percebemos, uma mudança radical de comportamento do político profissional quando em campanha. Transformados numa caricatura de torcedores da copa de futebol do mundo, quando se exalta de verdade o espírito nacionalista e o esbanjamento da alegria coletiva, a deflagração do pleito eleitoral origina uma tempestade a chover milagrosamente uma enxurrada de virtudes capazes de formarem a mais completa imagem de políticos ideais. Como de repente se tornam brasileiros de verdade, preocupados com os menos favorecidos pela sorte e com o desenvolvimento em tudo que diga respeito aos interesses da sociedade. Nada do que possa chamar a atenção e aprovação do eleitor deve ser descartado. Anteriormente arredios e indiferentes às missas, procissões e outros sacrifícios religiosos, passam a participar compenetrados pela fé. Como são solidários na dor! Nem os defuntos alheios e desconhecidos deixam de ser pranteados.
Por pouco não se transformam em carpideiras. Mas dentre todas essas demonstrações de grandeza da camuflagem camaleônica, nada chama mais a atenção do que a cordialidade. Quanta prodigalidade! Nessas exibições, as mãos têm um grande desempenho. As sofredoras, além de acenarem e apertarem democrática e hipocritamente todas as mãos, perdem a sua autonomia. As coitadas, como se tivessem sido submetidas ao reflexo condicionado ou lavagem cerebral, tornam-se compulsivas à vista de outras mãos. Tem de apertá-las a qualquer custo. Ao passar por quem quer que seja ou mesmo alguma coisa que lembre uma forma humana, é contemplada com o aceno. E as fotografias! Quanta simpatia!
O sorriso, comum a todas, é capaz de convencer a todos da sua pureza. Esse artifício malicioso faz-nos lembrar Shakespeare que deles diria que “são mendigos de desejos inconfessáveis, que respiram candura e santidade para melhor lograrem seus infames objetivos.” Verdade seja dita, em muitas dessas fotografias, se lupa tivéssemos nos olhos, enxergaríamos, no fundo, a ferocidade de hienas esfaimadas. Os carros de som, que primam pelo incômodo, propagam os bons propósitos dos candidatos que sabemos, a respeito de alguns, terem perdido a confiança e serem completamente bichados em sua reputação.
A campanha para deputado estadual, em nosso estado, reveste-se de um coliforme fecal compatível com as nossas expectativas. Não pode ser diferente, vez que a Assembléia Legislativa, sede de um poder desacreditado e inútil, infestada por gabirus, assemelha-se a um corpo a flutuar a esmo, sem rumo como bosta de marinheiro, decompondo-se pela ação de parasitas e predadores.
Muitos de seus atuais inquilinos responsáveis pela avalanche de imoralidades que sobre a mesma a soterrou, tentam reeleger-se. E o inacreditável é que quase todos, segundo alguns entendidos, estão eleitos. Que auspicioso horizonte se nos deslumbra para o futuro! Batendo forte contra esse estado de coisa, aparece uma nova geração de camaleões, uns verdadeiros em suas camuflagens e outros na mesma linha dos veteranos. PHD da corrupção, que prometem desratizá-la. Será que irão, se eleitos, usar o remédio certo, o raticida ou, cinicamente, empregarão a homicida honestidade? O cenário é tão tenebroso que sequer temos o direito de usufruir do sentimento da dúvida.
O mundo animal, através de documentários, mostra-nos o camaleão como um animal calmo e inofensivo. A natureza, para compensá-lo, deu-lhe o dom da camuflagem para poder se defender dos predadores. O político anão, sem esse dom natural, compelido pelo obsessivo desejo de tirar o máximo proveito do cargo, planeja maliciosamente a sua camuflagem, não como defesa pessoal, mas para o ataque. Com esse intuito, escolhe a isca apropriada visando atrair para sua armadilha os eleitores incautos e ingênuos. Distribui sorrisos, tapinhas nas costas, apertos de mão e falsas promessas com o perfume de pétalas de rosas da ilusão. Findo o pleito, quando vitorioso, ofuscado pela claridade, vê o caminho aberto às suas torpes e inescrupulosas pretensões, enquanto o pobre eleitor assistirá, mais uma vez, murcharem as flores das mais acalentadas esperanças.
Em síntese, os camaleões continuarão sendo autênticos camaleões, enquanto grande parte dos nossos políticos, PHD da improbidade, continuarão com todo zelo a seqüenciá-la, aleijões da ética que o são, como a mais legítima e última aspiração de suas carreiras.