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Cultura

Perfil: Claudeonor Teixeira Higino, o Santeiro do Penedo

De uma das janelas da sede do Círculo Operário, o herdeiro de uma tradição ainda sem seguidores

Toda cidade tem aspectos que a diferencia das outras. Além da localização geográfica, as particularidades se manifestam nos hábitos, costumes, crenças, culinária, arquitetura, enfim, em sua herança cultural. Penedo não foge à regra e, dentre outras características, guarda a singularidade da ‘Escola de Santeiros do Penedo’. Em sua quinta geração, o domínio da Arte é resguardado atualmente por apenas um mestre, Claudeonor Teixeira Higino.

Em busca de aprendizes que possam manter viva a tradição que exige conhecimento aprofundado em Artes Plásticas e símbolos da religião católica, Claudeonor Higino dedica-se ao ensino de jovens e adolescentes na oficina que acontece no salão do Círculo Operário da “Cidade dos Sobrados”, como classificou o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. Em meio aos alunos, o artista que completou 49 anos no último domingo repassa o que aprendeu com o Antônio Pedro dos Santos, artesão que formou a geração representada nos dias de hoje por Higino.

‘Santeiro do Penedo’ cresceu observando a produção de outro artista

Fernando Vinícius - aquiacontece.com.brNatural de Neópolis, o legítimo herdeiro do título de ‘Santeiro do Penedo” deixou o município sergipano situado na margem oposta do rio São Francisco com menos de dois anos de idade. Sua família mudou para Alagoas, onde cresceu observando o trabalho de José Vécio dos Martyres, seu padastro, artista filho de Cesário Procópio dos Martyres, autor, dentre outras peças, da imagem original do Bom Jesus dos Navegantes, peça mantida na capela da Santa Cruz, em Penedo, obra copiada nas demais cidades ribeirinhas entre Alagoas e Sergipe.

“Além de escultor, José Vécio foi urbanista, arquiteto, decorador, pintor. Muitos projetos dele estão espalhados por Penedo, praças, escolas, ruas”, ressaltou Claudeonor Higino sobre o homem que conviveu a partir dos seis anos. Nessa fase, a criança alfabetizada no Grupo Jácome Calheiros ficava encantada com as histórias infantis contadas pela professora. “Dona Leide gostava de contar historinhas pra gente, aí eu ‘viajava’, esquecia até onde estava e começava a desenhar os personagens no caderno”, relembrou Higino.

Ilustrações em cartazes na época da escola

O gosto pelas ilustrações era tamanho que o aluno não conseguia fixar sua atenção no aprendizado, mas a habilidade nata lhe salvava a pele. “Eu conseguia a minha recuperação fazendo cartazes, trabalhos que rendiam ponto. Um dia desses, um colega de escola daquela época me parou na rua e lembrou que eu ganhei até concurso entre escolas com um cartaz que fiz”, comentou o escultor que chegou a produzir trabalhos a pedido de outros alunos.

Aos 13 anos, Claudeonor ingressa no Lar de Nazaré, orfanato fundado pelo Padre Aldo Brandão em Penedo que ofertava cursos profissionalizantes, mas atualmente restrito aos cuidados com meninas em situação de risco social. “Eu aprendi tipografia com o mestre Francisco Acioly durante um ano e seis meses, depois fiz um teste na gráfica São Francisco, onde aprendi mais sobre publicidade, encadernação, artes gráficas”. Corria o ano de 1976 quando o tipógrafo passou diante do Círculo Operário e percebeu o cartaz que anunciava matrícula na Escola de Artes Circulista, ministrada por Antônio Pedro dos Santos.

Um ano esperando a chance de ingressar na Escola de Artes Circulista

“Eu entrei, falei com ele, mas as inscrições já haviam encerrado. Passei um ano esperando a abertura de novas matrículas. Em 1977, aproveitei a oportunidade e tive o privilégio de aprender com o Mestre Antônio Pedro técnicas de desenho, pintura, escultura e restauro”, afirmou o discípulo que aos seis meses de curso recebeu a aprovação do instrutor. “Eu já fazia muito bem o contorno dos desenhos, mas aprendi com mestre Antônio Pedro a usar luz e sombra”, afirmou o discípulo que aprimorava técnicas de pintura e de escultura.

Ainda em 1977, Claudeonor Higino estreia em exposições de Artes, com quadros (óleo sobre tela) na mostra paralela incluída na programação do Festival de Cinema de Penedo daquele ano. Movido pela vontade de colocar seu trabalho em evidência, Higino decide investir em escultura. Em 1979, concentra esforços no ofício. Seu primeiro trabalho, um canário pousado sobre um galho, serve de modelo aos alunos da oficina que ministra 31 anos depois de ter reproduzido o “Tocador de Pífano”, peça que foi comprada pelo então embaixador do Brasil na França que esteve em Penedo.

Embaixador brasileiro compra ‘Tocador de Pífano’Fernando Vinícius - aquiacontece.com.br

“Eu já tinha vários tipos de talhes, com temas regionais e brasileiros, aí ele viu, gostou e disse que ia levar para o Museu do Louvre (Paris)”, recorda Claudeonor, frisando não ter acreditado, a princípio, na conversa por ter considerado “o vôo muito alto”. Apesar de produzir com regularidade, Claudeonor não conseguia renda suficiente para garantir a manutenção de sua mãe. Por esse motivo, mudou-se para Santos-SP, onde reside um irmão. “Fui trabalhar numa sorveteria, mas durante a noite ia para a Escola de Desenho e Pintura Artelândia”, disse o artista sobre o local onde aprendeu novas técnicas de pintura durante pouco mais de um ano.

Numa viagem ao Rio de Janeiro, o artista visita o Museu Nacional de Belas Artes. “Foi lá que eu decidi voltar para Penedo e me dedicar definitivamente à escultura”, afirma Claudeonor. “Sou capaz de produzir qualquer peça em madeira, mas os santos ou as figuras humanas exigem mais no trabalho com proporção, anatomia, expressão fisionômica, panejamento (vestes). É um desafio ainda mais difícil por conta da tradição católica e também termina que faço um artesanato típico da cidade, artigo que interessa ao turista que procura por alguma coisa que só vai encontrar aqui”, acrescentou.

Com obras espalhadas em diversas cidades, estados e países, Claudeonor Higino tem seu nome escrito numa galeria de artistas escassa de seguidores. Apesar do talento, seu padrão de vida é modesto. Entre encomendas e trabalhos de restauro, ofício que domina com técnicas de alquimista, o Santeiro do Penedo sobrevive, procurando herdeiros para a tradição que corre risco de desaparecer.