O ódio a estrangeiros na África do Sul voltou a mobilizar as comunidades de imigrantes e a preocupar autoridades em Moçambique, no Zimbábue e na própria África do Sul.
Há dois anos, a xenofobia foi responsável por um episódio que traumatizou a região sul do Continente Africano. Em maio de 2008, 62 pessoas morreram e mais de 10 mil deixaram a África do Sul depois de uma onda de ataques nos arredores de Joanesburgo.
Estima-se que 25 mil estrangeiros perderam suas casas e foram obrigados a buscar refúgio em igrejas, centros comunitários e em instalações da Cruz Vermelha. Centros de acolhimento foram montados na África do Sul e nos países vizinhos. As pessoas chegavam com a roupa do corpo, sem dinheiro e muitas vezes feridas. Pela primeira vez desde o fim do apartheid (regime de segregação racial) em 1994, o Exército sul-africano foi às ruas para restabelecer a ordem.
Logo na primeira semana pós-Copa do Mundo, estrangeiros foram alvo de violência nas proximidades de Joanesburgo e da Cidade do Cabo. Para a polícia, foram casos isolados, tratados como agressões ou brigas comuns.
Segundo o líder comunitário moçambicano Matias Ezequiel, que vive no subúrbio de Pretória, os estrangeiros são perseguidos por aceitar empregos de baixa remuneração e trabalhos pesados em um país que não tem colocação sequer para os próprios cidadãos. A taxa de desemprego na África do Sul é uma das maiores do mundo: ficou em 25% no mês de maio.
O comentário na cidade, contou Ezequiel, era que, tão logo terminasse o Mundial, os estrangeiros seriam expulsos de novo. A maior presença da polícia nas ruas e os empregos temporários oferecidos em função da Copa do Mundo ajudaram a amenizar um pouco a tensão. Mas, desde que acabou a Copa, a recomendação que ele dá aos compatriotas é que voltem para Moçambique.
“A situação vai ficar muito caótica”, previu Ezequiel. “Nós já testemunhamos isso. As pessoas que vivem nessas regiões [com população predominantemente imigrante] são as primeiras vítimas.”
Em Maputo, capital moçambicana, o clima é de apreensão entre as famílias que têm parentes na África do Sul. Moçambique, com 22 milhões de habitantes, tem quase 3 milhões de cidadãos vivendo no país vizinho – a economia mais forte da região, apesar das altas taxas de desemprego.
O marido de Olga Machava trabalha nas minas de carvão sul-africanas há 20 anos. Enoque Machava passa quase todo o ano fora. Periodicamente, Olga cruza a fronteira para arrumar a casa do marido, fazer companhia a ele e também trazer roupas para revender em Moçambique. As quatro filhas e o filho pequeno do casal ficam em Maputo. Olga voltou preocupada da última visita.
“Ele diz: não sabemos onde estaremos, o que vai acontecer. Mesmo porque, desde que o Mundial acabou, muita gente está a voltar. Agora, quando alguém bate à porta ou toca o telefone, não sabemos se é o papai que está a chegar.”
Em Ressano Garcia, cidade que faz fronteira com a África do Sul, o abrigo para repatriados mantido por irmãs de caridade já foi alvo de reclamações de xenofobia. A casa recebe semanalmente um ônibus com moçambicanos expulsos da África do Sul por falta de documentos ou visto de permanência.
Na semana passada, porém, a voluntária Vânia Mondlane notou algo diferente: mais de 40 mulheres e cerca de 300 homens desembarcaram, dizendo que fugiam. “Isso não é normal”, afirma ela. “Nunca apareceram 40 senhoras ao mesmo tempo. Sempre vêm três, quatro, seis no máximo. De verdade, é xenofobia.”
No Zimbábue, o governo montou três grandes tendas na cidade fronteiriça de Beitbridge para acolher quem volta da África do Sul. As agências das Nações Unidas doaram 10 mil cobertores, galões de água e sabonetes. O diretor da Defesa Civil, Madzudzo Pawadyira, informou à imprensa local que já foi criado um comitê específico no governo para acompanhar o tema.
Em Moçambique, o assunto é tratado com reserva. “Ainda não houve ações significativas de xenofobia. O que existe é uma forte ameaça”, afirmou Oldemiro Baloi, ministro dos Negócios Estrangeiros. “Sem querer criar alarme, podemos dizer que estamos em estado de alerta”.