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Pais micos, filhos ocos e netos bobos

Era de se causar perplexidade os números aterrorizantes do último exame de ordem para obtenção de uma inscrição na OAB, entretanto, como tudo que se torna rotina acaba virando normalidade, já não é motivo de espanto os resultados desses certames. As causas para este quadro nefasto e que expõem as vísceras da educação brasileira têm sido apontadas por professores quando instados a opinar sobre o assunto e, de fato, as mazelas apontadas são pertinentes, tais como a proliferação descontrolada de cursos e a falta de estrutura das instituições de ensino superior, a falta de investimento em contratação de docentes doutores e mestres, enfim. Todavia, entendo que o problema esteja localizado em um degrau abaixo e não, necessariamente, no ensino superior – que como já falei, tem suas mazelas. Nessa esteira, toda a discussão que se faz sobre como resolver o problema da falta de qualidade dos cursos de graduação só terá sentido se resolvida outra questão que é anterior a essa: a indústria de certificado de conclusão do ensino médio. É daqui que devemos partir para começar a discutir o problema dos cursos superiores no Brasil.

Ora, em sala de aula tenho verificado, com facilidade, que o número de alunos despreparado advindos da escola pública ou privada sobrepuja, em muito, o número dos que estão aptos à graduação. Será que esse fato não é suficiente para chamar a atenção das autoridades e da sociedade? Culpar as instituições privadas ou públicas de ensino superior pelo malogro educacional desse país é um tanto injusto, pois as faculdades apenas repetem a tática utilizada pelos educandários de ensino médio, qual seja: diante da irresponsável e insana concorrência (autorizada pelo MEC, diga-se de passagem), vale o lema: que passem todos, mas não nos deixem. Ora, se o MEC credenciou a faculdade e lhe autorizou a oferta dos respectivos cursos, é claro que ignorou a viabilidade econômica do empreendimento, pois se naquela região já existem outras faculdades com a mesma oferta, esta poderá será maior que a procura e a instituição, que já investiu um bom capital estruturante, não poderá fazer seleções rigorosas sob pena ir à falência. Isso é óbvio.

Mas aliado ao fato de o ensino médio aprovar alunos que não passariam em seleções ainda que mais fáceis, há um fato negativo que não pode ser atribuído nem ao ensino médio e nem ao ensino superior: a qualidade intelectual dos alunos. Há, no Brasil, uma maléfica e aleijante cultura de se jogar às escolas toda responsabilidade para com seus filhos, até mesmo questões ligadas às regras de etiqueta. Se se perguntar a cada pai ou mãe de família quantos livros leram em toda a vida, a resposta será chocante. Esse pai e essa mãe, atrofiados que se encontram por falta de leitura, que suam frio quando diante da necessidade de escrever alguma coisa (um bilhete, um ofício, uma comunicação interna, um despacho, uns dizeres de agradecimento, etc, etc.), não entendem a necessidade de se estimular a leitura junto a seus filhos a fim de que desenvolvam a capacidade de escrever, de melhor raciocinar, de pontuar intuitivamente, de falar com desenvoltura e de se ter mais predisposição para o estudo. As casas da maior parte das famílias são alijadas de livros ou, se os tem, dão a eles outra serventia similar a de um pinguim sobre a geladeira. Acreditam que tudo o que a escola faz é mais que suficiente para a formação de seu filho. Quanto engano. Questões morais, de educação doméstica, de etiqueta, de higiene, de valores religiosos e de incentivo à leitura, por exemplo, são de obrigação dos pais. É claro que existem exceções, mas a regra é que onde não há leitura, a cultura do estudo é menos intensa e isso se tem refletido nas escolas e faculdades de forma cada vez mais freqüente, a ponto de o aluno despreparado ser a regra e não a exceção nas salas de aula.

Há sete anos que me enlacei com o magistério em nível de graduação e posso garantir ao leitor que não consigo entender como é que determinados alunos concluíram o ensino médio. Pessoas que guardam uma perigosa proximidade com o analfabetismo funcional (lêem, mas não entendem ou são incapazes de construir um pequeno texto com demonstração de algum domínio da escrita e de raciocínio), entretanto, lá estão eles “brincando de curso superior”. Fico constrangido ao perceber que um aluno, no 4º período de Direito, tem dificuldade de ler um dispositivo legal e revoltado fico ao corrigir as avaliações que são as provas documentais da loucura em que estamos inseridos.

Constantemente recebo e-mails desesperados de alunos que denunciam o seu grau de leitura assim que começam a sua súplica: “professor mim ajude”. Nesse sentido, jamais esquecerei de uma aluna que numa aula sobre o Direito na antiga Grécia me perguntou quem era o deus Vela. Lembro que era uma atividade em sala e os alunos estavam utilizando o livro “A Cidade Antiga” de Fustel de Coulanges. Ora, como eu nunca havia ouvido falar em qualquer deidade da parafina, eu pedi que ela me trouxesse o livro para que no contexto eu pudesse (com alguma presença de espírito) lhe dizer algo, foi quando percebi o surrealismo da circunstância. O texto estava assim disposto: “O deus vela por ele e dá-se-lhe assim o epíteto de erkéios”. Não, prezado leitor! Foi isso mesmo que você entendeu: a aluna havia confundido um verbo com um substantivo. Outra vez, numa aula sobre formação do Direito Canônico, ocasião em que já havia me referido a outras datas, assim escrevi no quadro: “313, Tolerância ao Cristianismo; 380, Oficialização do Cristianismo.” Uma aluna, então, me redarguiu: “Professor, não seria no plural, tolerâncias, não? – Perguntei: – E porque seria? – Ao que ela arrematou: – Não são trezentas e treze?

Eu poderia ainda citar outras situações vivenciadas por mim ou por meus colegas, mas não há necessidade, pois essas duas ilustram bem o estado de calamidade do ensino superior brasileiro. A falta de cultura, de conhecimentos gerais, de algum domínio da língua pátria, de vocabulário é a tônica dos nossos secundaristas e graduandos. Ontem mesmo, enquanto eu aplicava um exercício, das quatro salas do 2º período (manhã e noite) de determinada faculdade, em três delas recebi perguntas acerca do significado de palavras como: simultâneo, fático, preterir e dissertação.

Muitos alunos gaguejam ao fazer uma simples leitura, não conseguem concatenar as idéias quando da elaboração de uma resposta em questões abertas, ferem a gramática em todos os sentidos (ortografia, concordância verbal, nominal, etc, etc, etc.). Tudo isso é fruto não só do mau preparo das escolas, mas também dos próprios pais que não lêem e nem podem incentivar o que não fazem e nem compreendem. Infelizmente, vivemos no país do televisor e não do livro. É só responder à pergunta: quantas horas você passa diante do televisor e quantas diante dos livros? Quantos livros você leu durante esse ano e durante o ano passado?

Ora, o Direito, por exemplo, lida com situações diversas que envolvem sentimentos, patrimônio, penas variadas (inclusive a de perda da liberdade), daí porque deve o seu operador ter uma visão periférica do fenômeno social. Todavia, do que tenho conversado com eles, a visão de mundo de meus alunos, futuros operadores do Direito, é a seguinte: a) gosto musical: Galã do Brega, Gatinha Manhosa, Tyrone e congêneres; b) programas de televisão preferidos: realitys shows, filmes de ação, novelas, Malhação, programas humorísticos, de fofoca e de bate-boca entre familiares; c) livros (quando lêem): Harry Poter, Crepúsculo, Lua Nova e congêneres; d) revistas: Quatro Rodas, Capricho e congêneres; e) programação “cultural”: farrear em bares, praia, em churrascos promovidos pela turma, (em todas essas ocasiões sempre ouvindo aquelas músicas dos grupos descritos na letra “a”). Ou seja, o futuro é mesmo dos macacos.

É por essa realidade, que profundamente agradeço aos meus pais por terem condicionado, tantas vezes, a minha mesada à leitura de pelo menos um livro, cuja estória deveria ser contada a eles para eu provar que, de fato, havia lido a obra. Entretanto, sei que há pais que não só não incentivam a leitura, como inadmitem que um filho seja reprovado se a mensalidade da escola estiver em dia, o que mostra a visão estrábica dessas pessoas. Na verdade, comportamento criminoso como esse deveria ser tipificado como abandono intelectual, pois os próprios “painacas” obstaculizam um processo sério de aprendizagem da criança e/ou do adolescente. Aliás, esta é a única preocupação de grande parte dos pais: que seu filho passe de ano, seja de que jeito for, afinal de contas: – eu tô pagaaanu!

Realmente, a educação doméstica nesse país é uma zorra total, e aí ficamos todos em pânico, como gado que, na fazenda, sabe que está indo para o matadouro. Pobre Brasil do BBB: bobo, burro e barato.