
Alunos aprendem a esculpir, sob a orientação de Claudeonor Higino, o remanescente de uma tradição que busca de seguidores
As mãos são pequenas, mas já demonstram força e agilidade no manuseio de ferramentas. Isac dos Santos da Graça é uma dessas pessoas abençoadas com habilidade natural para trabalhos artesanais e pode se tornar o sucessor de uma tradição resguardada atualmente apenas por um mestre. Isac é um dos alunos da Oficina de Santeiros do Penedo, ministrada por Claudeonor Teixeira Higino, 49 anos, o único remanescente de uma linhagem de artistas que procura por herdeiros.
Aos 17 anos, Isac dos Santos da Graça tem até no nome o indício da aptidão para o aprendizado que aproveita pela segunda vez. Em 2009, ele participou da 2ª Jornada Cultural do Penedo, evento promovido pela organização não governamental Barqueiros do São Francisco que ofertou, dentre outras atividades, uma oficina com Higino. O aprendizado atual acontece no período da tarde, às terças e quintas-feiras, na sede do Círculo Operário de Penedo, situada em frente à Escola Estadual Gabino Besouro.
Santeiro do Penedo desenha, pinta, esculpe e restaura
O artista plástico que transita com maestria entre o desenho, a pintura, a escultura e o restauro – qualidades exigidas para ser considerado um autêntico ‘santeiro do Penedo’, conforme classificou o historiador Ernani Méro, segundo Claudeonor – conseguiu aprovação do Ministério da Cultura para lançar em 2010 a oficina, iniciativa que conta ainda com apoio diversos parceiros, inclusive empresas privadas. Além de atender alunos de escolas da rede pública que recebem o Bolsa Família, como Isac e seus colegas de turma, o curso também abriu as portas para jovens que tentam encontrar um rumo na vida.
Desempregado e sem estudar, Eduardo de Araújo Santos, 22 anos, garante que retomará o 2º ano do Ensino Médio em 2011. Enquanto isso, recorre às suas habilidades manuais para ocupar seu tempo. “Eu abro nome na cabeça do povo”, afirma com bom humor, referindo-se aos detalhes que faz em penteados. “Teve que um que me pediu para fazer um palhaço, mas a maioria pede para colocar nome ou algum desenho”, esclarece o jovem que reproduzia em madeira um pequeno busto do escritor Castro Alves na aula da última quarta-feira, 25.
“Eu nunca estudei desenho ou pintura, estou aprendendo aqui”, diz aluno
“Eu nunca estudei desenho ou escultura, estou aprendendo aqui e quanto mais, melhor pra mim. Se isso me ajudar a ganhar algum dinheiro, vai ser bom”, disse Eduardo que já tem em casa uma pequena escultura de São Francisco de Assis, réplica em madeira de uma peça trabalhada pelo instrutor da oficina. Nas demais bancas de carpinteiro confeccionadas em angico ao custo aproximado de R$ 4 mil pelos dez assentos, os outros alunos dedicavam-se à tarefa de copiar um entalhe em alto relevo a partir do original, mais uma peça esculpida por Claudeonor Higino.
José Alberto Costa Santos, 19 anos, lixava com cuidado o seu trabalho. Sobrevivendo de serviços eventuais, ele afirma que é capaz de fazer tudo em matéria de pintura. “O que botar para fazer, eu faço. Abro letreiro, pinto casa, faço desenho de loja, qualquer coisa”, assegurou à reportagem do Aqui Acontece. Com instrução escolar concluída somente até a 8ª série, ele se esforça para aprimorar o dom natural que pode lhe render o meio de vida para sustentar o filho ainda em gestação.
Sobrinha de Claudeonor Higino também aprende na oficina
Na mesma turma, a adolescente Thamires Vécio Higino de Oliveira tem a oportunidade de aprender a Arte presente em sua árvore genealógica. Ela é sobrinha de Claudeonor e devota de São Benedito, o santo que pretender esculpir assim que estiver dominando as técnicas da escultura. Aos 15 anos, a estudante do 8º ano do Ensino Fundamental trouxe das Artes Marciais a concentração necessária para se dedicar à oficina. Thamires é faixa roxa de karatê e pentacampeã alagoana pela Confederação Brasileira de Karatê Interestilos.
“Eu sempre achei bonito e interessante o que o meu tio faz e tinha vontade de aprender, não é muito difícil, mas também não é fácil não”, explicava a adolescente que não se apressa para concluir cada passo na oficina iniciada em julho e que será concluída com exposições itinerantes em outubro. A ansiedade, aliada ao estresse do mundo contemporâneo, são fatores que afastaram alunos do curso, conforme avalia o instrutor.
Alunos receberam noções de desenho antes da introdução à escultura
Os dramas tão comuns aos dias atuais (ainda) não afetam os alunos da turma das terças e quintas-feiras. Nenhum deles é maior de idade e parecem se divertir na oficina que começou com noções de desenho, ensino feito com apoio de material didático, para chegar à escultura. Desenhos sobre tabletes de louro-canela, madeira boa de corte e legalizada para o comércio, segundo Claudeonor Higino, ganham relevo nas mãos dos adolescentes.
Batidas no formão, uma das ferramentas de trabalho de todo escultor, arrancam lascas da madeira em meio á aula, trabalho que Joellya Fernanda dos Santos, 14 anos, realizou para esculpir um peixe em alto relevo, tarefa que todos também tiveram que cumprir. Enquanto ela mostrava sua criação para a lente do repórter, suas amigas Daiana Santos Pereira e Lílian Cristina dos Santos, ambas com 15 anos, faziam o catavento com paisagem ao fundo, tarefa mais elaborada do que a anterior, o peixe.
Perseverança e força de vontade para continuar aprendendo
As três estudam na Escola Estadual Comendador José da Silva Peixoto e foram avisadas sobre a oficina por meio de Aline, prima de Daiana, que não frequenta mais as aulas. Felizmente, não faltou perseverança e força de vontade para Isac dos Santos da Graça. Com a mãe dona de casa e o padrasto desempregado, ele demonstra aproveita cada segundo na oficina. Filho de família de baixa renda, ele conta inclusive com a compreensão do mestre que já reconhece o potencial do pequeno discípulo. Sem condições de comprar as ferramentas para continuar exercitando suas habilidades fora da sala de aula, Isac tem a permissão de Claudeonor Higino para levar para casa as ferramentas que precisa para, quem sabe, ser um dia um ‘santeiro do Penedo”.