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Observatório acha 1.692 fazendas sobrepostas a terras indígenas

Total de área englobada é de 1,18 milhão de hectares

Um levantamento do observatório De Olho nos Ruralistas, que acompanha as dinâmicas do agronegócio, descobriu que 1.692 fazendas estão localizadas no interior de terras indígenas, o que significa que as propriedades têm processos irregulares de titularidade, já que violam direitos dos povos originários.

O documento “Os Invasores”, de 101 páginas, é mais uma das iniciativas que denunciam as vulnerabilidades dos povos indígenas ao longo deste mês, que marca as lutas de seu movimento organizado.

Esse tipo de manobra, em que se invade um espaço reservado aos indígenas, é chamado de sobreposição, e, nesse caso do observatório, o total de área englobada é de 1,18 milhão de hectares.

O perímetro equivale ao território do Líbano. A maioria das propriedades rurais detectadas (95,5%) fica em territórios indígenas com a demarcação ainda pendente, o que evidencia a urgência de a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) finalizar os processos, assegurando a proteção dos povos que lá vivem. A autarquia e o Ministério dos Povos Indígenas vêm sinalizando ter consciência da celeridade que o cenário exige.

Outro dado que consta do relatório diz respeito ao uso da terra. Ao todo, 18,6% dos territórios são usados para a produção agropecuária, sendo que uma parcela de 55,6% serve de pasto e outra de 34,6% ao cultivo de soja, que ocupou mais de 76 mil hectares. Entre os donos das fazendas, estão conglomerados empresariais e marcas de renome, como a Bunge, a Amaggi e a Lactalis.

Terras indígenas
A Bunge e a Amaggi aparecem como as empresas que abocanham porções das Terras Indígenas Morro Alto, em Santa Catarina, e Tirecatinga e Enawenê-Nawê, em Mato Grosso. Conforme esclarece o observatório, a questão com a de Morro Alto é que abriga o imóvel “Projeto São Francisco 135”, obstáculo aos guarani mbya e ameaça o seu modo de viver.

Como membros da rede que ameaça as terras indígenas nesse contexto, também aparece o mercado financeiro, por meio de bancos de grande porte e fundos de investimento. Quanto a estes, o que o relatório enfatiza é que a ilegalidade e a violação aos direitos dos indígenas não têm sido impedimento para que ofereçam crédito aos empresários. Outras conexões com os latifundiários, expostas pelo observatório, são com outras figuras de semelhante mentalidade em relação à forma como conduzem os negócios, por burlar a lei e focar no lucro, e com o crime organizado.

O caminho de apuração durou seis meses e exigiu da equipe de jornalistas, geógrafos, historiadores e um especialista jurídico a análise de informações sobre imóveis rurais cadastrados e certificados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

As fontes foram o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) e o Sistema Nacional de Certificação de Imóveis (SNCI). A partir da lista inicial, foi realizado o cruzamento com os metadados de cobertura e uso do solo da plataforma MapBiomas – Coleção 7, que contém dados referentes até o ano de 2021.

Ao se apoderar das terras indígenas, o empresariado do agronegócio gerou um impacto ambiental mensurado pela equipe do observatório, que aproveitou relatórios produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O que se descobriu foi um desmatamento de 46,9 mil hectares, resultado do período entre 2008 e 2021.

Situação ilegal
Em entrevista concedida à Agência Brasil, o diretor do observatório De Olho nos Ruralistas, Alceu Castilho, ressaltou que, embora o relatório revele um grande número de fazendas em situação ilegal, os casos de irregularidade não se esgotam aí. “Todos os dados que a gente divulgou podem ser multiplicados. Eles são uma amostra muito significativa, muito relevante, mas ainda uma amostra do que seria uma quantidade final de fazendas, propriedades supostamente privadas, em terras indígenas”, afirmou.

“Expansão agropecuária como um processo de expansão territorial, em cima de territórios que são ocupados por pessoas e pelo ambiente. Então, isso significa destruição e violência. E essa violência também é racista”, acrescentou.

A Agência Brasil procurou a Lactalis para obter posicionamento sobre as irregularidades. A empresa não deu retorno.

A Amaggi, por sua vez, afirmou que a empresa não é proprietária de nenhuma das fazendas indicadas no relatório e que, na realidade, elas pertencem a acionistas e diretores da companhia, Sérgio Luiz Pizzatto, apontado como dono de uma em Portos dos Gaúchos (MT), e Itamar Locks e Pedro Jacyr, que possuiriam três em Sapezal (MT). Eles argumentaram, em nota, que não há conflito ou disputa por terras com os indígenas, nem embargo ambiental quanto à propriedade.

Quanto ao que é pontuado, no relatório, sobre a Bunge, a empresa respondeu que o imóvel mencionado foi vendido em 2022 e que “cabe ao comprador os trâmites burocráticos para a transferência de sua titularidade perante o cartório de Registro de Imóveis. Cabe ressaltar que a Bunge não é parte em nenhum processo administrativo onde se discute a demarcação como área indígena e, pelas informações públicas disponíveis, essa demarcação não aconteceu, não havendo, portanto, qualquer ilegalidade por parte da empresa”, disse.

“A Bunge reafirma o compromisso com sua Política de Biodiversidade e Uso da Terra e demais políticas sociais e ambientais, atuando com ética, transparência e respeito aos direitos humanos em todas as suas operações”, finalizou.