Tudo que é vivo luta pela sobrevivência. Quando vivos, queremos continuar a viver na claridade e perene consciência do mundo que nos cerca, ao passo que a morte, grande enigma que habita no mais profundo véu da escuridão, é um salto foçado nas trevas rumo à dúvida e à incerteza. Esse salto de destino incerto, inquestionavelmente, é o mais angustiante inferno da existência humana. Não obstante todo esse aparato misterioso, como entender a decisão de alguém de marcar dia e hora para submeter-se, antecipadamente, ao sacrifício da morte, a mais sombria e apavorante figura em permanente vigília a atanazar-nos no curso de nossas vidas? Embora muitas sejam as causas que levam ao suicídio, desde frente às mais aflitivas circunstâncias de um forte e desagradável impacto emocional, agudos sofrimentos, até puerilidades ou de uma fria decisão filosófica ante o insuportável tédio e insipidez da vida, não existe ato mais tresloucado.
A abordagem do tema em tela inspirou-se na americana que diagnosticada portadora de um câncer incurável no cérebro, achou que o melhor desfecho para escapar de insuportáveis dores em uma batalha sem esperança de vitória, seria submeter-se a eutanásia. Marcou o dia 01/11/2014, como de fato aconteceu, para protagonizar a cena final de sua vida. Foi uma escolha admiravelmente corajosa e racionalmente aceitável, reservada a poucos guerreiros dispostos a jogar-se no abismo do desconhecido.
É natural que diante de ato tão extremo não fiquemos curiosos para saber se não houve momentos de fraqueza para desistir na medida que se aproximava do dia fatal. Houve, informou o noticiário, uma intenção de adiamento, não vingada em virtude das fortes dores que chegavam ao desmaio. Uma coisa é marcar a longo prazo o momento para o confronto com a morte, outra é conservar o mesmo sangue frio na hora decisiva. Afinal de contas, por mais sofrida e apunhalada que seja a vida pela desilusão, há no fundo uma enorme resistência pela sua preservação. Esse instinto de conservação é coadjuvado pelo medo, seu fiel escudeiro, mergulhado na atroz dúvida do que ocorrerá após a morte.
Essa incerteza do após morte será sempre objeto de divergência entre os que acreditam na continuidade da vida no plano espiritual e outros que acham que será o fim. Embora muitos admitam sem titubear da existência de uma vida espiritual, não nos parece pacífica essa crença. Qual a relação matéria e espírito? Será que um corpo etéreo possa reproduzir os mesmos fenômenos do corpo material? Que seja capaz de pensar, sentir prazer, todas as sensações e manifestações psicológicas do ser encarnado? Muito provavelmente, não. Se aceita essa hipótese, nenhuma esperança resta ao suicida, que parte convicto para o nada, o que contraria o desejo inconsciente de uma vida eterna. Achamos que essas indagações, para quem planeja o suicídio são inevitáveis.
Muito se discute a respeito da aceitação do suicídio, quer na esfera jurídica, quer na religiosa. Não deveria, à luz do bom senso, ser objeto de discussão. E a razão é muito simples, vez que a vida, supremo bem, pertence exclusivamente ao seu titular, podendo, assim, dispô-la como bem entender. Por outro lado, pouco importa se o suicida seja objeto de inspiração para outros, talvez levado pelo desejo de se tornar celebridade por uns dias.
Dizia um famoso físico dinamarquês que o papel da ciência era reduzir a triviliaridade todos os mistérios. Exagero à parte, enquanto o inexplicável não for desvendado, e são incontáveis, alguns inquietantes, ficamos reduzidos a uma ilha de mistérios por todos os lados. A vida, no que tange à sua finalidade, se é que existe, habita nessa ilha da obscuridade. Não obstante firme em seus alicerces pelo instinto de conservação e pelo terror do desconhecido após a morte, não impede que alguns transtornados por razões diversas a ela renunciem. Uns, pelo menos, são compensados com a graça da fé em outra vida, ao passo que outros, desgraçados pela descrença, trágica e heroicamente saltam para o abismo do desconhecido.