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O PRECONCEITUOSO ORIFÍCIO ANAL

Estou a referir-me ao toque retal para prevenção do câncer de próstata e o preconceito de considerável parte dos homens que resiste em não submeter-se ao mesmo assumindo o risco de mais tarde ter de enfrentar a mais fatal e insidiosa das doenças. O motivo é que no cerne das decisões do homem, infelizmente, nem sempre predomina o que seria de se esperar, o apelo ao racional. Prefere, assim, partir para o confronto com o monstro, sabendo de antemão ser escassa a chance de vitória. Teima em continuar submisso ao descabido pudor e o medo de que tal procedimento possa comprometer a sua masculinidade. Ora, só o fato de o toque ser feito por um profissional com um objetivo específico, basta para repelir o medo e o preconceito. Outrossim, ser másculo é uma questão de segurança, de confiança intima de cada um e nada poderá destruí-la.

Não bastassem essas considerações que julgo procedentes, poderia reforça-las com a seguinte indagação: é possível imaginar que o mais ordinário orifício do corpo homem possa desonra-lo? Sim, até que pode quando dele se faz uso para um relacionamento homoafetivo. Entendimento esse, devo frisar, dos que são virilmente másculos, não para os homossexuais que o encaram com a maior naturalidade.

É de se lamentar que a nobre medicina continue impotente quando, pondo em segundo plano o exame do PSA, contente-se com o toque retal como o mais seguro e não tenha encontrado um outro meio igualmente confiável, deixando de lado tão primitivo, grosseiro e humilhante procedimento. Essa circunstância, verdade seja dita, por mais que se use o racional para suprimir a barreira do preconceito, nem sempre é capaz de eliminá-lo por completo.

Sempre achei e continuo a pensar que na aparente imperfeição da obra do Criador encontra-se a perfeição. Apesar disso, de vez em quando sinto uma certa estranheza quando Ele permitiu no homem a coexistência do excepcional, como o pensamento e qualidades espirituais e com a aviltante função animalesca. Acho também ter sido frágil o feitio da sua constituição física, um caniço pensante segundo Pascal, quando deveria ter sido mais resistente para suportar as adversidades em geral. Sendo impossível que Ele altere a sua obra, acredito que a única salvação está na engenharia genética. Dentro desse maravilhoso prognóstico futuro, o que poderá ser feito para que a diminuta e feroz próstata em seu processo degenerativo deixe de fornecer o atestado de óbito a tantos que vivem aturdidos e aflitos, perdidos numa luta insana entre preconceito e razão?

A engenharia acima tem feito verdadeiros milagres e continuará a fazê-los por meio do implante de próteses e se nada puder ser feito nesse sentido com a nossa personagem, muito improvável que venha a acontecer pelas suas características, não vejo outro caminho para podar a mais enraizada e copada das árvores, o preconceito, pois, mesmo que a fria razão seja imprescindível como a única capaz de prestar-se para esse trabalho, não será possível pelos impregnados resquícios que não serão de todo apagados, de evitar que o toque retal continue a ser o monstro do pudor e da vergonha a devorar vidas, sacrificadas à intocável e humilhante divindade Orifício Anal.