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O Epicurismo Vulgar do Natal

Sem moralismo e pieguismo religioso, vamos revelar as fotografias do Natal, tiradas sob vários ângulos e momentos, para vermos a sua verdadeira cara. Sem dúvida, iremos ter a fisionomia do glutão pantagruélico, do extrovertido e alegre, do bondoso e contemplativo e etc. Mas se quisermos apreender o traço predominante da sua personalidade, ele aparecerá como resposta à seguinte pergunta: qual é a distância entre a espiritualidade e a satisfação dos instintos? Transferindo o fator distância pelo número de pessoas propensas a uma das duas inclinações, qual seria o percentual de cada uma? Sem titubear, todos nós responderíamos que os vocacionados para o espiritual e o racional formam um ínfimo número perto do grosso da manada que submissa à animalidade, vive para ceder às suas exigências. Face a essa realidade, existe alguma dúvida sobre qual a verdadeira cara do natal?

Compatível com essa visão, sentimos que o 25 de dezembro, data criada para o nascimento de Cristo, nada mais é do que uma comemoração tipicamente pagâ e consumista ou, em outras palavras, vulgarmente epicurista. Achamos que o nascimento deve ser comemorado com alegria, mas como não se trata de um nascimento qualquer, era de se esperar, pela ótica religiosa, que houvesse a moderação com o predomínio do espiritual. Se assim fosse, a quantos interessaria? Sequer seria uma festa.

O natal veste-se, sobretudo, com as cores do materialismo. Até a confraternização, sua principal finalidade, que deveria restringir-se à espontaneidade de um abraço ou aperto de mão, acrescentou- se uma infantil formalidade de troca de presente. Uma invenção para descaracteriza-lo ainda mais.

 Acontece que até a data oposta ao natal que é a Sexta-feira Santa, consagrada à morte de Cristo, não existe uma mudança de comportamento A principal preocupação continua sendo a mesa para recepcionar condignamente o santo estômago, fonte de um dos principais prazeres, que se faz divinamente presente no nascimento e na cruz. Sem a presença da ditadura do estômago, que quase todos alegremente nos submetemos para satisfaze-lo, não existe festa de verdade. Fomos, somos e seremos sempre pagãos em qualquer tipo de comemoração. O curioso é que o império do estômago não se contenta com a moderação, como pregava o filósofo Epicuro, mas em sintonia com os que deturparam seus ensinamentos, com a ausência de limites. Cedem, então, ao refrão do comamos e bebamos que amanhã morreremos, filosofia rasteira abominada por ele. O que ensinava era que devíamos evitar quanto possível, a dor e usufruíssemos os prazeres com moderação, vez que os excessos resultam na dor. Nós sabemos disso por experiência.

É por excelência uma festa de inspiração dos mais elevados pensamentos e desejos a fim de que o homem encontre o caminho para alcançar a plena felicidade. Está inundada dos mais comoventes sentimentos que instam a todos para o amor fraterno. É exteriormente sedutor sob todos os aspectos, quer na beleza ornamental, quer na magia da atmosfera que irradia alegria,solidariedade e cordialidade. Entretanto, uma atenta observação nos convence, em parte, da falta de naturalidade que se perde na artificialidade das aparências. Isso decorre porque não se trata de um acontecimento intrínseco à natureza humana mas tão-só de uma convenção social para que as pessoas, passageiramente, se confraternizem entre si.

Eis porque a única coisa que se manifesta inata na celebração do Natal é o comando do instinto consumista que, distante da espiritualidade, rasteja, enche a barriga como as bestas, transformando-o numa comemoração típica e vulgarmente epicurista.