Um local de sinistro contraste entre a beleza que se exibe na elegância dos nossos parlamentares e a sua deformidade interior adquirida na prática das negociatas e tramoias ardilosamente tramadas nos gabinetes e corredores. É uma academia de arte e cultura que congrega os que se especializam nas trapaças para sugar das artérias da nação o sangue vital da sua sobrevivência. Um local majestoso, confortável e cheio de requintes no qual se reúnem, em minguados dias da semana, senhoras e senhores chamados de senadores e deputados federais que representam o poder legislativo, uma das trindades pernetas que governam o Brasil. Que desencontro entre as aparências! Como é deveras lamentável que cercado de tanto requinte e beleza não se alinhe, em perfeita harmonia, com a decência de conduta, o decoro e a respeitabilidade. São quase seiscentos representantes e um minguado número dos que vestem a camisa da honradez. Daí porque talvez tenha razão Schopenhauer que dizia que onde há muita gente, há muita ralé mesmo que toda ela ostente condecoração. Como é grande a nossa ralé parlamentar!
É um lugar onde o novo deputado e senador eleito, se não tiver o poder de transformar o meio que passará a atuar, se de comportamento irrepreensível, será provavelmente dominado e cairá na gandaia, o que de fato costuma acontecer. Isso resulta de uma atividade da sua chaminé que expele a todo momento a fumaça da corrupção que chega a empestear toda a atmosfera e capaz de perverter a mais pura índole ungida pela probidade.
É um ambiente, como muito bem percebemos, que muito se assemelha com os nossos presídios. Os infratores, ao adentra-los, são mentirosamente chamados de reeducandos. Os parlamentares neófitos, aparentemente de conduta irreprochável e muito longe de serem chamados de reeducandos, sofrem a mesma influencia do meio, havendo apenas uma diferença na execução dos delitos. Se os primeiros costumam usar da violência, os nossos representantes servem-se do ardil com elegância na calada da noite.
É um lugar no qual suas atividades são divididas em comissões para finalidades especificadas. Dentre elas há uma que carrega em seu bojo uma grande dose de hilaridade. Naturalmente que se trata da comissão de ética que tem a missão de apurar responsabilidade de conduta do deputado ou senador. Não é fácil compô-la face à escassez dos que têm condições para tal fim. Dificilmente, ao ser indicado um relator esteja ele limpo, isento de processo comprometedor. Uma verdadeira calamidade moral. Essa circunstancia obriga-nos a concluir que o nosso Congresso Nacional, eticamente desfigurado, não passa de um teatro que se especializou em representar a si mesmo, transformando e seu curriculum vitae em uma autênticas tragicomédia.
A proposito, um amigo, através de um sonho, chegou a vislumbra-lo numa cena horrivelmente dantesca, numa imagem macabra de carnificina que o convenceu tratar-se de uma purificação pelo fogo. A Câmara dos Deputados estava apinhada com a presença de todos seus componentes. Em vez da claridade, o plenário encontrava-se na penumbra, condição que lhe permitiu ver uma caveira, símbolo dos piratas, pintada na testa da maioria e umas poucas cruzes verdes numa minoria que identificavam os de uma vida pregressa irrepreensível.
Percebeu também que a maioria acima tinha um enorme rabo de palha altamente inflamável. Flutuando sobre os deputados viu um ser estranho, parecia um mendigo, sujo e barbudo com uma lâmpada na mão. Era certamente Diógenes à procura de algum que fosse honesto. É aberta a sessão. Os discursos pro e contra desenrolam-se num crescendo de emoções. O objetivo era a cassação do mandato do atual presidente Eduardo Cunha. Depois de inflamados e cansativos debates, surge o último para encerrar com chave de ouro, facilmente previsível. Após chamar Eduardo Cunha de covarde, mentiroso e de estar envolvido no propinoduto, por pouco não se engalfinhou com um dos defensores que o acusou com os mesmos epítetos. Espumavam de ódio a tal ponto que o calor da discursão acabou por produzir faíscas que pipocaram por todos os lados, causando um incêndio em cadeia nos rabos dos deputados. Os honestos, sem rabo, salvaram-se ilesos. O cheiro de carne incinerada e da fumaça engordurada causaram-lhe ânsia de vômito. Os bombeiros, ao chegarem, não encontraram sobreviventes, mas um amonto corpos carbonizados. Vê-se logo depois a assistir, em edição extraordinária pela televisão, as informações da hecatombe. Sai para a rua que se encontra congestionada. Olha curiosamente para o rosto das pessoas. Não percebe em seus semblantes qualquer traço que demonstre tristeza ou dor. Tudo parecia estar na mais completa normalidade. Entra em um bar repleto dos apreciadores da bebida. Se lhe causava perplexidade a indiferença das ruas, não sentiu menor incredulidade no que ai viu e ouviu. O que deveria ser uma comoção nacional passou a ser uma gozação popular. Uma das piadas era que sequer serviam para churrasco. Não era possível! Afinal de contas foram centenas de deputados que tragicamente perderam a vida. Tiveram seus pecados, e bem verdade, que se traduziram na arte de deputar, o que souberam fazer com muita deputação. Teria uma justificativa tamanha carnificina? Um castigo divino de purificação? Desperta assombrado.
Por fim, é um lugar sobre o qual muitos aliviam suas decepções comparando-o ás coisas mais desprezíveis. Ás vezes, por falta de conhecimentos, são insultos empregados errônea e injustamente. Um deles é compará-lo a um cabaré. Acontece que isso não chega a ser um xingamento, mas um elogio. Isso porque os cabarés, extintos ou em fase de extinção, observadas as exceções, primavam pela ordem e o respeito. Lá os frequentadores se divertiam, deputavam com decência e pagavam às quengas honestamente, sem negociatas parlamentares.
Quando vemos as maiores autoridades ameaçadas com processo de cassação por atos de improbidade e outros bichos, não podemos desabafa senão com a inesquecível exclamação: saudosos cabarés! Como seria bom se o Brasil, Congresso Nacional e demais instituições funcionassem respeitosa, ordeira e honradamente como os bons cabarés de outrora! Só assim passaríamos a ser um pais de respeito.