Onde está a crise? Existe crise no carnaval? Se verdadeira fosse a resposta o Brasil passaria a perder a sua majestade de feiticeiro e mestre do ilusionismo capaz de fazer acreditar a toda uma nação, mesmo por alguns dias, que a propalada tormenta da economia é puramente ilusória. Que tem uma consistência volátil, solta da memória, mesmo que provisoriamente. Só assim, aquinhoado com o ópio do carnaval, será possível amenizar as tensões do dia a dia.
Benvindo seja o carnaval. Quando, no ano em curso, se deram os primeiros ensaios do carnaval? Após o natal? São quantos dias até a sua chegada? Quarenta e poucos dias. Existe no mundo algum país com tamanho pique festivo? Acreditamos que não. Nenhum, seguramente, tomará do Brasil o cetro de imperador do primeiro mundo da alegria.
Às vezes ficamos a pensar, para efeito de comparação, qual a mais próxima imagem para ajudar entender o Brasil do carnaval. Qual seria? Numa visão brega, não seria a de um ébrio corno e apaixonado que bebe e se esbalda na farra para esquecer os chifres e dissabores da vida? Será que o carnaval não tem um pouco ou um tanto desse sentimento de fugir da dor? Certamente que sim. Alguém Ouviu, como antes, comentários sobre o custo de vida da inflação, corrupção, etc.? Seria um contrassenso. Os problemas nacionais e pessoais reprimidos por um milagre transitório, volatizam-se por completo. Só assim, aquinhoado com o ópio do carnaval, é possível amenizar os tropeços da vida.
O Brasil, filho bastardo do acaso, consequência de uma calmaria, de ascendência portuguesa e sem histórico de uma boa formação moral, motivo que o obriga a arrastar-se na retaguarda das grandes nações, tem o prêmio, por compensação, de ser o primeiro rei momo da alegria. Não apenas no carnaval sabemos extravasar nosso regozijo, mas de forma perene por força de uma índole do temperamento nacional propenso a esbaldar-se na esbornia.
Somos milhões em um só corpo que personaliza, no superlativo, a espontaneidade da mais pura euforia. Só entre nós é possível celebrar um armistício para dar trégua a uma crise nacional graças a uma sedução que nos torna ébrios de prazer. Apesar dessa busca ilusória de uma breve anestesia das contrariedades, a sua quase generalização, de ponta a ponta, faz do Brasil um país sui generis e impar entre os demais. As crises, entre nós, tem o seu tempo, nunca no carnaval. Não fosse a bandidagem e sua brutalidade, o vergonhoso desnível social e o descompasso dos políticos, sempre de mãos dadas com a falta de vergonha, há muito teríamos posto por terra as utopias, esbanjadores que somos da descontração e da euforia, antessala do paraíso que se deixa seduzir pela magia do carnaval.