As pessoas nem sempre são exclusivamente o que aparentam ser. Sem a oportunidade ou pela ausência de iniciativa própria para testar outras experiências de vida, suportam a mesmice do dia a dia. Despidas de um pensamento múltiplo, contentam-se tão-só em fazer o que julgam saber muito bem.
Assim era Azarias, profissional liberal bem sucedido de uma cidade de porte médio do interior. A política, que nem de longe passava em seu pensamento, um dia viria a acontecer. O autor da façanha foi atribuída ao vereador Vaselina, popularmente conhecido pela vivacidade que empregava para convencer. A bajulação e a subserviência também faziam parte do seu caráter. Apesar de reprovável tal índole, não deixa de ser uma poderosa arma de convencimento junto aos vaidosos, sem contar nos resultados palpáveis para os vaselinas.
A conversão de Azarias aconteceu depois de uns quatro encontros de catequese com o Vaselina que julgava estar semeando para o futuro dividendos a serem usufruídos com a política de negócios. É uma virtude saber enxergar à distância. Não se sabe porque, acreditava no potencial político de Azarias. Tinha uma boa situação financeira, bom ingrediente para alimentar expectativas. Não era, por outro lado, espontâneo no relacionamento com o povo. Usufruía de reconhecida honestidade. Como a honestidade num país de trambiqueiros é objeto tão-só de admiração, muito longe de uma prática de vida, não deixa de servir de coisa rara ou exótica a ser contemplada com dividendo eleitoral. Crédulo na sinceridade das pessoas, comportamento comum ao homem de bem, o oposto do velhaco que desconfia de todos e de tudo, Vaselina dispunha da presa ideal para satisfazer seu intento.
No primeiro encontro, que aconteceu em uma sauna, Vaselina quis saber se algum dia pensou ingressar na política. Ao responder com enfática negativa, teceu comentários como de hábito geral, nada lisonjeiros sobre a política e os políticos. A psicologia do malandro sabe que ninguém é uma barreira intransponível, basta que se use a estratégia certa para transpô-lo. Inicialmente, saiu-se professoralmente em defesa da política, argumentando que não obstante corriqueiramente criticada pela ação dos maus políticos, sua missão é nobre quando praticada, segundo seus mandamentos, por homens honestos. Nesse sentido, era a pessoa ideal para fazer parte do seu quadro. Poderia como vereador, testar seu gosto político e também para ser avaliado pelo eleitor. Posteriormente, partiria para prefeito.
Para resumir, um quarto encontro, ocorrido no bar Estoril, Vaselina, sabendo do efeito do álcool para a prodigalidade e bravatas, esperou o momento certo. Depois de algumas doses de Campari com gelo, sua bebida favorita, partiu para a eleição que se aproximava. Azarias já estava fora de controle em sua autovigilância. Vaselina, nesse momento propício, usou a mais infalível das estratégias, o elogio de ordem pessoal. Disse-lhe que a cidade de Penápolis precisava de mais um representante honesto para resgatar a imagem desgastada da Câmara de Vereadores, cheia de bajuladores do prefeito. Essa nojenta subserviência comprometia a sua independência e perdia a sua finalidade. Azarias tinha atributos de sobra para depurá-la. Fariam juntos a campanha.
Ouvindo todo esse rasgamento de seda a seu respeito, enorme massagem nunca antes sentida em sua vaidade, bradou, para surpresa de Vaselina, que estava decidida a sua candidatura para vereador.
Chegou o momento da campanha. Partiu para o corpo a corpo e percebeu o nascedouro da degeneração da política, o mercantilismo eleitoral. Não participou desse esquema e foi o segundo mais votado. Vaselina, desgastado pelo tempo e inexpressiva atuação, capacho do prefeito, não conseguiu o terceiro mandato. Não saiu, no entanto do encalço de Azarias e continuar a politicar.
Concluído o mandato, com um bom desempenho, tendo usado a tribuna com frequência para criticar e apresentar sugestões à administração, esse comportamento de independência política rendeu-lhe admiradores. Sentiu que estava desenhando o caminho para a sua ascensão política.
Com o advento das novas eleições, Vaselina pregava aos quatro ventos o nome de Azarias como vice de Ascânio, ex-prefeito com forte penetração eleitoral em Penápolis. Convite feito e aceito, vitória alcançada, Azarias, inesperadamente, assume a chefia do executivo. Ascânio, alheio e indiferente ao resultado das urnas, renuncia em busca de vôos mais altos na política. Futura cova de Azarias.
Aproximando-se do término do mandato, era tempo de um sim ou não à reeleição. Azarias, sem fazer exceção chamuscado pelo fogo da vaidade, decide pelo sim. Como a vaidade tem pouco juízo, faltou-lhe a autocrítica para ver que a sua gestão, aos trancos e barrancos, não lhe proporcionaria uma vitória. É bem verdade que a sua decisão foi reforçada pelos bajuladores, profissionais que sabem emprenhar pelos ouvidos os vaidosos e desavisados. Apesar do município estar atravessando uma fase crítica em todos os seus setores, era mais visível a sujeira das ruas. A cidade parecia estar entregue às moscas. As críticas à administração era uma constante. Apesar desse cenário catastrófico, foi impossível a Azarias enxergar a evidência.
Bem diferente da campanha para vereador, Azarias teve de arcar com pesados gastos financeiros. Após a intensa batalha, chega o dia da eleição. Grande é a expectativa e a forte emoção faz o coração bater mais forte e acelerado. Terminada a votação, tem início a apuração. As primeiras urnas sinalizam seu fracasso, como de fato aconteceu. Surpreso e inconformado recolhe-se à privacidade de seus aposentos. Encolhido numa posição fetal, lagrimas em profusão a banhar-lhe o rosto, era imagem da desolação.
Passados os primeiros dias da ressaca, depara-se com a cruel realidade de uma enorme dívida para pagar do próprio bolso. Encontra-se emocionalmente despedaçado, tomado por uma terrível e insuportável sensação de vazio e solidão. Os parasitas e bajuladores, dentre eles o Vaselina, que anteriormente dele não desgrudavam, sumiram como fulminados por um raio. Começou a fazer uma avaliação da sua breve jornada política. Sem necessidade de tantos adjetivos depreciativos, contentou-se com decepção, pura decepção, para enfeixar todo seu sentimento. Também sentiu que um homem político sem poder é um homem relegado ao esquecimento, jogado com desprezo na vala comum dos fracassados, abandonado por todos e pelo frio e cruel destino.