Agostinho era um homem proprietário de uma grande gleba de terras coberta de pastagem onde criava inúmeras cabeças de gado.Era um agricultor bem sucedido apesar de suas atitudes rudes e prepotentes.Muitos empregados cuidavam do trato do gado e das pastagens bem como do conserto e construções de cercas para os cercados que confinavam o gado pela sua qualidade.Detentor de uma excelente condição financeira além de sua invejável posição social reunia ao seu redor muitos amigos e interesseiros.
Era casado com Helena, mulher meiga, prendada e servil. Havia renunciado a tudo, até mesmo à sua própria pessoa, para atender aos desejos e exigências de seu esposo.Vivia exclusivamente para os serviços domésticos e não tinha vida social apesar dessa atitude não lhe trazer nenhum inconveniente pois era de comportamento introvertido e sentia-se feliz em bem desincumbir sua missão de esposa e dona de casa . Do casamento nasceu um filho que lhe servia de companhia e a quem dedicava os dias de sua vida com muito amor e compreensão.
A vida no lar não era boa. Agostinho, homem dado às orgias e as festas noturnas, sempre chegava em casa bêbado obrigando-a a levantar-se para lhe servir a janta.Mesmo cansada da labuta do dia,sem nenhuma reclamação, se dirigia à cozinha e cuidava da refeição de seu marido que sempre a fazia sozinho. Sempre de mal humor , e aos gritos, a ordenava a cumprir,com brevidade o que lhe pedira. Paciente e por ter aprendido com seus pais que a mulher casada era para servir ao seu esposo, não esboçava nenhum gesto de desagrado. Após fartar-se e deleitar-se com o jantar recolhia-se ao quarto do casal e dormia como uma pedra. Helena deitava-se com muito cuidado para não despertar do sono o esposo, pois se isso acontecesse ele era capaz de proibi-la de dormir na mesma cama.
O filho do casal, só tinha amor da mãe que sempre estava ali pronta para ouvir-lhe e consolá-lo. O pai entrava e saia de casa ignorando a presença dos dois como se ali estivessem apenas dois objetos prontos para serem usados. Era uma família triste. Mulher e filho tratados sem respeito. Helena, apesar do esposo ter condições, não tinha empregados domésticos.Cuidava das tarefas do lar sozinha, lavando e passando roupas,cuidando das refeições e da arrumação da casa que era enorme. À noite o cansaço tomava conta de seu corpo magro e desnutrido.
Certo dia, Agostinho chegou em casa pela madrugada acompanhado de seus amigos, para dar continuidade à noite de farras e determinou à Helena que providenciasse comida para todos.Estava resfriada e com muito frio mas,mesmo com sacrifício,protegeu-se com um xale da frieza e dirigiu-se à cozinha para cumprir a determinação recebida.Foi rápida como sempre e,em pouco tempo a mesa estava servida. A algazarra dos amigos já embriagados, ecoava por toda a casa. Helena não poderia retornar aos seus aposentos pois , a qualquer momento poderia ser requisitada por Augustinho.O filho,sempre ao lado da mãe aguardavam pacientes o final daquela bebedeira que,por vezes,terminava com o raiar do sol.
Dias após dias, Helena conviveu nesse ambiente sem amor, sem respeito, sem compreensão. Mulher temente a Deus fortificava-se nas suas orações que fazia de joelhos, na esperança que algum dia o seu esposo experimentasse uma mudança em seu comportamento e olhasse para ela e seu filho como uma família que necessita da proteção do pai.
Agostinho tinha mais prazer em administrar sua fazenda do que com sua família, talvez por não sentir falta de sua esposa e filhos por estar sempre rodeado de mulheres e amigos de ocasiões. O filho já adolescente acompanhava sem poder dizer nada, o sofrimento da mãe. Ás vezes até pensava em intervir, mas, logo mudava de opinião, pois conhecia o âmago de seu pai. Era um homem rude, ignorante, com um coração de pedra, sem nenhum sentimento familiar. Sabia se um dia o enfrentasse seria expulso de seu lar, e obrigado a deixar para traz sua mãe, que tanto necessitava de sua presença.
Já era noitinha, pois os últimos raios solares já haviam se recolhido e, aos poucos, a escuridão se apossava do espaço deixando as estrelas se apresentar, aos milhares, com seus brilhos e encantos. Agostinho retornava de mais um dia longe de seu lar e, como sempre, já adentrava a casa dando ordens.
– Helena, ponha o meu jantar, pois estou faminto. Apresse-se.
Nenhuma resposta. O silêncio reinava naquela casa marcada pelo sofrimento e pela dor. Agostinho já irritado insiste:
– Helena, onde você está que não me responde? Não está me ouvindo mulher? Nada. À medida que entrava com seus passos fortes e apressados ouviu um choro bem baixinho vindo da sala de refeições. O local não era bem iluminado e reinava uma penumbra. Logo percebeu seu filho curvado sobre o corpo de sua mãe que estava de bruços, inerte.
Aproximou-se do corpo e o virou. Helena estava desfalecida. Uma poça de sangue havia se formado sobre o seu corpo. Agostinho se desesperou pela primeira vez em todos os anos de convivência com Helena. Tentava acordá-la, sacudindo-a com força, dizia:
– Acorde Helena ! Acorde Helena ! Agostinho apertava sobre o seu peito àquele corpo frágil enquanto vislumbrava sua beleza. Um rosto que apesar do sofrimento deixava transparecer uma beleza sem igual. A paz que emanava daquele semblante intrigava aquele homem que nunca teve a sensibilidade de contemplá-lo. Era um momento nunca vivido antes. Estava com Helena nos seus braços, admirando-a como mulher. As lágrimas rolaram pelo seu rosto à medida que tentava reanimá-la.
– Helena, por favor, acorde. Não nos deixe. Precisamos de você. Eu preciso de você.
Agostinho sentiu que Helena estava reagindo. Percebeu que estava tentando abrir os olhos porque as pestanas apresentavam algum movimento. Ficou fitando-a, na esperança que ela abrisse os olhos e o visse abraçando o seu corpo e preocupado com o seu estado de saúde. Desejaria que ela o visse até mesmo chorando, e percebesse o seu arrependimento. Gostaria de dizer-lhe que daquele dia em diante nunca mais a deixaria só, que não a faria mais sofrer; que estava sentindo uma transformação dentro de si. Algo de estranho lhe incomodava as entranhas. Uma espécie de fogo lhe queimava como uma ulcera.
Aos poucos os olhos de Helena foram se abrindo até fitar seu esposo. Olhou-o,demoradamente, como a querer desfrutar um pouco mais daquele momento que tanto sonhara, que tanto havia pedido a Deus em suas orações. Agostinho alegrou-se. Ainda havia esperança. Helena havia voltado do seu sono e ele sorria e chorava. Passava as mãos sobre seu rosto acariciando-a e pronunciando o seu nome. Helena, esboça um sorriso. Estava feliz por estar vivenciando àquele momento mágico e, num esforço para falar diz:
– Agostinho, perdoe-me por não poder servir o seu jantar!
Agostinho ouvindo essas palavras entrou em desespero perdeu o controle e gritava aos céus pedindo perdão por não ter percebido, que durante todos esses anos havia convivido com uma santa. Uma esposa dedicada, cheia de amor e de perdão. Um presente sagrado que Deus lhe dera e que não soubera valorizar. Que o trocou pela vida desregrada, por mulheres devassas e amigos oportunistas. Em fim trocou a vida pela morte porque sem sua esposa a vida não tinha mais sentido de ser.
O filho que tudo assistia ao lado disse-lhe: pai não quero mais viver com o senhor. Vou para casa de meus parentes. Agostinho assentiu com a cabeça porque não poderia ser diferente. Não havia conquistado o amor de seu filho e de sua esposa. Agora estava só e triste, sem força para seguir em frente.
Não tendo outro caminho a seguir preferiu ir para um mosteiro, onde, na solidão, pudesse sufocar suas mágoas, seus ressentimentos, suas angústias, sua dor, sua desesperança. Já não era um jovem, mas um homem sexagenário cuja mudança interior não era mais possível experimentar. Como transformar-se de um dia para outro se não havia conseguido durante toda a sua juventude.
O sofrimento e o remorso passaram a ser seus companheiros inseparáveis. A tortura mental era constante. A paz não conhecia apenas as lembranças de um tempo perdido e de uma cegueira que não o fez enxergar a família que tinha e que tanto sofrera por sua causa. Não tinha jeito. Alí estava afastado de tudo e de todos para aguardar o momento de sua morte temendo o julgamento final.
Absorto em suas lamentações não via o tempo passar encerrado naquele mosteiro sem querer mostrar-se ao mundo exterior. E, foi assim, que Agostinho sentiu a presença de Jesus que lhe dizia para voltar para o povo e falar-lhe do perdão e do amor. Que fosse falar do seu exemplo para que outros não enveredassem pelo mesmo caminho. Para que servisse para despertar que o amor ao próximo é o maior bem que Deus deixou para todos nós. Que é fazendo o bem, desejando o sucesso do outro que nós crescemos interiormente. Que o perdão é o caminho que nos leva a termos uma aproximação com Jesus. Perdoar é desatar as nossas amarrar materiais para que nos aflore o espiritual. Sem perdoar nunca chegaremos a Jesus nem alcançaremos a felicidade completa.
Agostinho ficou intrigado. Que exemplo seria para àquele povo que o conhecia como desregrado, vivendo de farras e cercado por mulheres; que não respeitava sua esposa e filhos;que nunca deu exemplo de uma boa convivência nem de amor ao próximo.O pensamento em Jesus passou a ser uma constante e ele resolveu sair do mosteiro para falar daquele que lhe deu a esperança e lhe propôs o perdão e o amor.
De início, acanhado, sem entusiasmo, falava para um povo desconfiado que não sentia muita firmeza nas suas palavras.Aos poucos,o poder do Espírito Santo foi-lhe conduzindo no caminho certo e, Agostinho tornou-se um dos maiores divulgadores do nome de Jesus e através de suas palavras muitos se converteram e mudaram os rumos de sua vida.
Agostinho, mesmo sentindo-se humilhado, envergonhado, deve ter ouvido a voz de Jesus que lhe dissera: Não temas, crê somente. A mesma frase que pronunciou para o chefe da sinagoga cuja filha estava morta e Jesus lhe disse: ela apenas dorme.
Agostinho acreditou e depositou em Jesus toda sua esperança de mudanças e, por esse grande amor dedicado ao grande Mestre, mesmo já estando velho e sem forças para lutar, tornou-se um exemplo a ser seguido por todos nós, pois é possível , repetir com ele ,com a mesma fé e o mesmo amor : NUNCA É TARDE PARA RECOMEÇAR.