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Nós Votamos Em Nós Mesmos

Vivemos em um País onde a democracia ainda está se ajustando com muita dificuldade porque o seu conceito ainda não foi absorvido pela maioria dos brasileiros e, principalmente, pela classe política, de quem depende o seu aperfeiçoamento. A cada pleito renascem novas esperanças no sentido de que os gestores públicos entendam que são apenas administradores da coisa pública e não donos do erário; que nas democracias o poder é do povo que o exerce por meio de representantes eleitos pelo voto. Por ocasião do pleito eleitoral, promessas repetitivas fazem parte do script já desgastado cujo efeito, com o passar dos tempos, vem perdendo o seu valor porque são destituídos de verdades. A classe política brasileira necessita de uma reciclagem a fim de que sejam expurgados àqueles que comprometem o sistema com suas ações e práticas nocivas. No entanto, com a baixa escolaridade e o desinteresse pelas questões ligadas à politica – como a “arte ou ciência de governar os povos” -, por parte do eleitor, fica bastante difícil essa mudança que deveria acontecer, já, porque o desgaste é comprometedor.

Alguns afirmam que falta consciência politica à população. Complemento dizendo que também falta consciência politica à maioria dos políticos brasileiros. Para se ter consciência politica necessário conhecer o que seja cidadania, conhecer os direitos e como busca-los ; entender cada cargo ocupado por nossos representantes e quais as suas responsabilidades. Tudo isso só é possível se houver educação de qualidade, com professores compromissados e cônscios de sua missão principal: formar o cidadão consciente de seu papel na sociedade.

Recentemente um juiz da justiça federal de Minas Gerais ao expedir um alvará de soltura em favor de um camelô, escreveu que : “os bandidos deste País, que deveriam estar presos, estão soltos dando golpe na Democracia”. É um despacho judicial com crítica a esse estado desvairado de conduta política, trilhado pela maioria de nossos representantes.

Acredito que alguns gestores, desejam contribuir para o desenvolvimento das cidades que administram , honrando o mandato concedido pelo povo para promover o bem estar público, de todos. Aqueles que assim procedem merecem o reconhecimento, não gratidão, porque essa é sua missão: executar projetos viáveis e legais, cumprir as promessas feitas e agir com honestidade. Ao ascender ao honroso cargo de gestor público, o político, deve ter a consciência de que governará para todos, tanto para os que nele votaram como para os que não sufragaram seus votos a seu favor. Além do mais, estamos em uma democracia, mesmo ainda sem firmeza, mas que amadurece aos poucos, onde o poder é do povo, pelo povo e para o povo, na definição de Abraham Lincoln.

Há gestores que se acham donos desse poder e agem como empregadores, vendo os servidores públicos como empregados e o povo como súdito. Uma visão distorcida que compromete a democracia e se aproxima da ditadura. Outros, de forma desonesta, lançam mão dos recursos destinados ao povo e dele faz uso para seu próprio bem estar e de seus familiares, deixando, no caso da Merenda Escolar, milhares de alunos carentes sem aquele alimento que o atrai para a escola aliviando a fome que se instala em seus lares. O professor e pesquisador José Márcio Camargo, da PUC, diz que “investir no Bolsa Família é investir em educação porque a neurociência evidenciou o período crítico para a aquisição das habilidades de linguagem e aprendizado de uma pessoa que vai até os 12 anos de idade “.

O gestor ideal deve estar comprometido com a condição humana das pessoas, principalmente dos mais fracos, dos mais necessitados, dos mais vulneráveis, porque, no plano politico, o direito do pobre é o mesmo do rico, do abastado. A visão humana é uma visão cristã, onde a compaixão deve ser exercida. Compaixão é colocar-se no lugar do outro e questionar-se: se estivesse naquela situação o que gostaria que fosse feito comigo? E, não se trata apenas de fornecer alimentos, mas de zelar pelo local onde está a sua moradia, eliminar as poças d’água em frente de suas casas, evitando que venham a contrair doenças, dar-lhe uma melhor condição de mobilidade, em fim, vê o outro, o eleitor, como senhor, dono e não como servo.

Muitos afirmam que o Brasil vive nessa situação politica caótica, porque os eleitores não sabem votar. Não comungo com essa assertiva, apesar de respeitar a opinião dos que assim pensam. A situação politica decadente não é culpa do eleitor, apenas, mas também, de políticos descompromissados com a democracia, com o estado democrático de direito e com as promessas feitas. O povo vota naquele que acredita; naquele que lhe comprou o voto; naquele que lhe deu uma caçamba de areia, barro ou piçarra; naquele que prometeu um emprego para seu filho; naquele que, se ganhar, seu emprego está garantido; vota por amizade, por favor recebido, e até por paixão.

Em artigo publicado na Revista Veja, intitulado: “Bolsa Família: voto racional, e não de cabresto”. Maílson da Nóbrega, citando o pesquisador acima mencionado diz: “O eleitor mira seus interesses quando vota. Estudos indicam que o pobre não se influencia necessariamente pelos poderosos. Ele é “o “ignorante racional”, termo criado pelo economista americano Anthony Downs”. “Por meio do voto, esse eleitor tenta antes de mais nada maximizar seu bem – estar. Seu voto é coerente e racional “.

Por esses dias ouvi de uma senhora o seguinte relato: Na eleição anterior, um candidato a vereador, indo à sua residência, fazendo campanha, ouviu dela que necessitava de alguns materiais para melhorar a situação de sua casa que era crítica e apresentou-lhe uma relação do que necessitaria. O candidato asseverou que se ganhasse a ajudaria. Tendo o candidato sido eleito ela compareceu em sua residência para cumprimentá-lo e, naquela ocasião foi até abraçada. Passados os anos nunca mais foi recebida pelo agora, vereador. Neste ano, volta o vereador a pedir o voto daquela senhora com um sorriso aberto. Ela o recebe e pede para que ele espere um pouco. Quando voltou trouxe consigo a relação que havia apresentado há quase quatro anos e o santinho. O vereador meio sem jeito olhou para ela e disse: calma, muita calma esfrie a cabeça e se foi. Aquela senhora disse-me logo: Não voto mais nele e recomendo às pessoas a fazer o mesmo porque ele não cumpriu sua palavra.

Ora, assim como o eleitor vota no seu próprio interesse, o político age da mesma forma. O processo de impeachment, que foi encerrado recentemente, foi uma prova viva, escancarada, de que ali não existiam juízes, com capacidade de julgar um fato, politico e jurídico. Cada um votou no seu próprio interesse, no interesse do partido e não preocupado com o senso de justiça e com a imparcialidade. O mesmo exemplo se aplica à cassação do deputado Eduardo Cunha que demorou meses, exatamente por causa dos interesses políticos.

Em fim, hoje, pela desconfiança, o povo vota no seu próprio interesse, ou seja: de alguma forma, nós votamos em nós mesmos.