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Cultura

No segundo dia da viagem, o monarca segue para Sergipe

Imponente Catedral muito a frente das igrejas da época

No dia 15 de outubro de 1859, às 14h30, Dom Pedro II desembarcava em Vila-Nova, hoje a cidade de Neópolis, em Sergipe. A equipe de reportagem seguiu o mesmo itinerário. O imperador foi a bordo de seu Pirajá. Agora, é a balsa a responsável pela travessia. Dá gosto a vista, o adeus a Penedo via São Francisco.

Assim que chegou no lugar, foi à Igreja do Rosário, que era na época a matriz. Sabe quanto o homem doou ao vigário? 300 mil réis para esmolas aos pobres. Tomara que tenha sido esse o destino.

Em Neópolis, podemos ainda hoje presenciar o retrato de uma disputa interessante, mas que ficou no passado. Trata-se da briga entre igrejas. Rosário versus Matriz de Santo Antônio. Elas ficam frente a frente, separadas apenas pela Praça Monsenhor José Moreno de Santana, a principal da cidade.

O templo de Nossa Senhora do Rosário é mais antigo. Foi erguido pelos holandeses. Lá, muitos escravos, depois de enforcados, eram enterrados. Servia aos pobres.

Incomodada, a classe mais abastada resolver construir uma matriz ainda maior, em homenagem a Santo Antônio. Essa data de 18 de outubro de 1679. Comemora 330 anos.

Dom Pedro acompanhou uma das reformas nessa última. Escreveu: “Fui ver as obras da nova matriz que é vasta, e onde se lê, bastante alto sobre a porta, a seguinte inscrição: ‘Demolida em 1813 Vigr.º Ant.º do C. Brum. Reedificada em 1854 José C. da Fraga, Mestre Miguel A. de Vasc.º'”.

Ainda detalhou que a obra estava “em osso e apenas há a talha de um altar lateral junto ao cruzeiro”. Para os visitantes atuais, a matriz se revela moderna. Já a do Rosário está em péssimas condições. Os santos já foram guardados. As portas e assoalhos, cheios de remendos.

Mas é aberta todos os dias, das 8h às 11h. Quem tem a chave é um voluntário, Pedro dos Santos Coelho. Ele avisa logo: “Você está pisando sobre sepulturas. Muita gente foi enterrada aqui”. O senhor lamenta a falta de conservação.

Do outro lado, na Matriz de Santo Antônio, é uma festa. A comunidade celebra o aniversário de 330 anos. Encontramos, envolvido com os preparativos, um jovem de 16 anos, Thiago Rômulo de Souza. Foi ele que nos contou detalhes do confronto entre as igrejas. O rapaz tem orgulho da história de seu município. Louvável.

O filho de Leopoldina avalia a educação

É interessante observar que em quase todos os lugares visitados, o imperador fez questão de acompanhar as aulas das crianças. Fez comentários, muitas vezes ácidos.

Do lado de Sergipe, em Própria, criticou os mestres. “Também não leram (os alunos) bem e o professor julgo-o pouco apto. Depois vi a de meninas… parecendo-me a professora sofrível, apesar do seu vestido de seda enfeitado”, descreveu.

Foi mordaz também com o latim. “O professor parece-me muito medíocre e a aula é inteiramente inútil”, discorreu. Dom Pedro, diferente do pai, tinha formação intelectual apurada. Tinha orgulho da biblioteca de mais de seis mil livros. Deve ter herdado da imperatriz Leopoldina o gosto pelas letras.

Em carta à irmã, Maria Luísa, ela confessou: “Procuro a minha felicidade no cumprimento exato do dever e estudando muito”. Morreu jovem, aos 29, quando o filho tinha apenas 1 ano.

Na obra de José Murilo de Carvalho, a biografia D. Pedro II — Ser ou não Ser (Companhia das Letras), a mãe do monarca assim é definida: “A arquiduquesa Leopoldina era uma Habsburgo-Lorena, filha de Francisco I, imperador da Áustria e chefe de uma das mais prestigiosas casas reais da Europa. Sua irmã, Maria Luísa, casara-se com Napoleão I. Tinha fina educação e rígidos princípios religiosos”.

Ela sofreu nas mãos do marido. Atravessou o casamento em melancolia. Para distrair-se, tinha um gabinete de história natural e um pequeno zoológico. Já crescido, Pedro doou o acervo da mãe ao Museu Nacional, com o título de Coleção Imperatriz Leopoldina.

Em Propriá, Dom Pedro II encontra uma vila prósperaNeno Canuto

De Neópolis, fomos para Propriá, também em Sergipe. Há 150 anos, o filho de Dona Leopoldina afirmava que a vila possuía 3 mil habitantes. Atualmente, são 28.520 “almas”, como também se referia o monarca.

Propriá, ao olhos de Dom Pedro, mostrava-se próspera. “Com algumas casas boas e de sobrado, e uma fábrica dos herdeiros de Esequiel Henriques, de descascar arroz, com máquina de vapor que desejei visitar; mas não o realizei por achar a porta fechada”, relatou.

Seguiu para as duas igrejas, a matriz e a do Rosário. A primeira, vimos trancada, mas de fora, parece muito bem conservada. Fica na Praça Dom Antônio Cabral, no Centro. A igreja de Nossa Senhora do Rosário também fechada. É menor, mais singela.

Durante a viagem a Propriá, conversamos com o secretário de Cultura e Meio Ambiente, Martinho José da Silva. Ele revelou que muito da história do lugar foi perdido. “Não sabemos onde ficam todos os lugares visitados por Dom Pedro. Ele ficou na antiga Cadeia Pública, sei disso”, conta. Esse prédio está abandonado, fica na beira do rio.