Da cidade de Piranhas, Dom Pedro II seguiu a cavalo para a fazenda dos Olhos d’Água, hoje município de Olho d’Água do Casado. O imperador reclamou das acomodações. Também pudera, colocaram o homem para dormir com pulgas. Ele que só bebia água de Vichi, importada, ficou sedento. A bagagem só veio chegar muitas horas depois.
Mais razoável teria sido beber água do lugar. A fazenda dos Olhos d’Água tinha fonte conhecida. Voltamos, passados 150 anos, e o lugar agora é lagoa verde, cheia de lodo. Estavam lá três meninos: José Elanio Moura, 10, o irmão, Walisson, 12, e um outro, Douglas da Conceição, 13. Matavam o tempo com uma pescaria. São moleques mirrados, mas cheios de prosa. O peixe, ninguém viu.
Mas voltemos ao imperador. Da fazenda, ele foi para o Talhado, localizado em Delmiro Gouveia. Essas terras pertenciam ao major Manuel José Gomes Calaça, que também tinha posses em Água Branca. Calaça serviu de guia para Pedro de Alcântara e toda a comitiva.
Agora, ficamos com o Talhado de José Francisco Silva, 70. Essa foi uma das mais surpreendentes descobertas dessa expedição. Ficamos cativos pelo cenário natural e também pelo homem. O senhor de gestos e voz firmes é um cantador de sonhos.
Há 12 anos, conheceu a Serra do Talhado. Gostou tanto que convenceu a família a deixar a cidade de Palmeira dos Índios e a se mudar para aquele pedaço de chão. Da sua casa, nós vemos os cânions do São Francisco, bem ao longe.
No alto Sertão, foi também ao Salgado e Poço da Onça
Em Delmiro Gouveia, que nem tinha esse nome na época, Dom Pedro f oi ainda ao Salgado e ao Poço da Onça. O Salgado ainda hoje é povoado. Fica no meio de uma terra seca, onde se cria bode. Para chegar às casinhas, leva bem meia hora, saindo do Centro de Delmiro.
No lugar não tinha viva alma. Bem num sábado. Era dia de feira, e todos estavam na cidade. No Salgado, o imperador viu mandacarus — “muito alterosos e grossos” —, bois e vacas gordas, cavalos bons. Aos nossos olhos, só apareceram caprinos e cachorros magros.
Na saída, alguns menininhos. Com a passagem do carro, acenaram, rindo. Vontade de levá-los todos e mostrar o mundo de asfalto. Bobagem. Cimento e automóvel demais não fazem bem a ninguém.
No Centro de Delmiro, conversamos com um cidadão nascido e criado lá, Eliseu Gomes, proprietário de terras e também pesquisador da história do Nordeste. Num papo de duas horas, emendou Lampião, a viagem de Dom Pedro com a adutora do Sertão.
Foi ele que explicou que o Poço da Onça não é mais conhecido assim, passou a ser chamado de Pia do Gato. Faz sentido. Vimos as terras da rodovia mesmo. “É o lugar mais curioso pela configuração do terreno que tenho achado até agora, e lembra algumas vistas das montanhas da Palestina do lado da Arábia; sinto não ter tempo para copiar essa paisagem desconsoladora”, lamentou o monarca. As rochas com o aspecto de “casas e castelos arruinados” — como ele descreveu — estão intocadas.
Aventura na Serra do Talhado
Muito da vegetação descrita por Dom Pedro II pode ser visto nesse cenário, em Delmiro Gouveia
Já faz algum tempo que José Francisco Silva faz passeios com visitantes na Serra do Talhado. Ele conta a historinha todinha do Sertão. Sabe o nome de cada tipo de árvore. Andamos com ele. No caminho, vimos a vegetação descrita por Dom Pedro.
“O terreno é arenoso ou pedregoso, e muito árido, abundando o xiquexique nas diversas espécies e a macambira, espécie de bromeliácea, de que há a atraca, rasteira e a da frecha com o seu pendão enegrecido”, escreveu o monarca.
O nosso guia ainda descobre da caatinga: mandacaru, juazeiro, mororó, facheiro, imburana de cambão, umbu, arapiraca e cabeça de frade. Das pedras tira uma lição. “Como vocês podem ver, essa região foi de mar”, diz.
O imperador ficou encantado com esse retrato. Fez descrições detalhadas. “Vi no caminho uma espécie de cardo redondo, com uma coroa mais ou menos saída, vermelha, rente ao chão, que chamam coroa, ou cabeça de frade”, anotou. Colocou no diário a peleja do gado com essa espécie. Era a luta por um pouco de água.
| No passeio com Seu Francisco tivemos a companhia de um veterano: o cachorro Foguinho. O bicho já sabe a trilha todinha. “Eu trouxe Foguinho pra cá ainda de olhos fechados. Ele está com 1 ano e oito meses”, fala o senhor daquele paraíso. | ![]() |
Chega numa parte do caminho, que Seu Francisco segura a gente pela mão, pede que baixemos a cabeça. Depois de uma breve reflexão, os cânions do São Francisco são revelados. Estamos no alto. Os paredões de mais de 40 metros lembram que o Chico dos pescadores e das lavadeiras precisa ser bem protegido.
Não ficamos parados. Foi um sobe-desce de pedras. Seu Francisco quis mostrar todos os caminhos e cartões postais. A turma que vem do asfalto, quase não aguenta. Só Foguinho e o dono que não tropeçam nem puxam do ar. O sedentarismo não perdoa. Mas foi bom: era o tempo de levantar a cabeça e sentir o vento do rio, a cor verde do rio.

