É na batida rápida do pandeiro que o artista de alma simples Severino João da Silva, o mestre Jaçanã, transforma em música o que vê a sua volta. O talento veio de nascença: o avô era tocador de viola e o pai, de harmônico. Rodeado de batutas, ele aprendeu rápido e, aos 12 anos, já animava as festas de Panelas, cidade pernambucana onde nasceu. Não demorou muito para que o local ficasse pequeno para ele. Depois de passar por Recife e São Paulo, escolheu Maceió como lar.
Foi em Alagoas que o violeiro e repentista fez amigos, teve filhos, se casou e consolidou sua arte. Foi aqui também que veio o reconhecimento: aos 53 anos, seu Severino é um dos 11 novos selecionados para o Registro do Patrimônio Vivo da Secretaria de Estado da Cultura (Secult). A vitória veio, segundo ele, para coroar tantos anos de dedicação. “Sei que fui contemplado porque mereci, por todo o tempo dedicado à minha arte”, diz.
Arte, aliás, sobre a qual ele se debruça há 46 anos, desde que, aos sete, foi ensinado pelo irmão a tocar. “O pandeiro era pesado e inchava os punhos da gente”, relembra, rindo do episódio. O peso do instrumento, porém, não foi a única dificuldade na vida do mestre. Além de conviver com uma miopia degenerativa que hoje já atinge os 25 graus, Jaçanã também passou maus bocados ao chegar a Alagoas. “Nem sempre tinha dinheiro para pagar um hotel. Quando isso acontecia, passava a noite acordado na rodoviária”, conta. Mas tudo se transformaria na vida de Jaçanã.
Ajudado pelo talento, logo a situação mudou e o mestre, além de espalhar sua arte, passou a dedicar a vida também a repassar seu conhecimento aos mais jovens. Esse foi um dos motivos, inclusive, pelos quais ele foi escolhido como Patrimônio Vivo. As aulas incluem português, rima e ritmo. O tom de voz também é importante. “Já ensinei jovenzinhos ainda com voz fina; eu tinha até que afinar minha voz para acompanhá-los. Agora já estão todos grandes, pais de família e profissionais”.
Vida de mestre
Mas a contribuição de mestre Jaçanã à cultura alagoana não para por aí: além do trabalho junto aos jovens, ele também já gravou três CDs e levou a embolada a todos os cantos de Alagoas e a outros locais do Brasil. “Foi com a minha arte que fiz tudo na minha vida”, narra.
Exatamente por isso, ele não consegue nem pensar em abandonar seu pandeiro, companheiro de tantos anos. “De maneira nenhuma. Mesmo se eu não cantar mais na rua, nas festas, continuo cantando em casa. Enquanto Deus me permitir e tiver voz e esse pouco de visão, vou continuar cantando e tocando. Meu pandeiro e eu somos uma dupla inseparável”, destaca, aos risos, seu Severino.
O sentimento de carinho é o mesmo ao falar de Alagoas. “Daqui não saio mais. Foi aqui que construí toda a minha vida, montei minha vida, tive meus filhos. Gosto demais desse lugar e tenho muitas histórias para contar de Alagoas. Minha vida artística se iniciou em Pernambuco, mas vai acabar em Alagoas”, diz, alegre e emocionado, o mestre com nome de passarinho.