O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou, neste sábado (8), no encerramento da Reunião Técnico-Científica da Amazônia, na cidade amazônica de Letícia, na Colômbia. O evento foi organizado pelo governo da Colombiano, do presidente Gustavo Petro. A cidade de Letícia faz divisa com Tabatinga, no extremo oeste do Amazonas, na região da tríplice fronteira entre a Colômbia, o Brasil e Peru.
O encontro bilateral entre os dois líderes regionais antecede em um mês a Cúpula da Amazônia, marcada para 8 de agosto, em Belém. Na ocasião, a capital do Pará receberá os presidentes do Brasil, da Bolívia, Colômbia, do Equador, da Guiana, do Peru, de Suriname e da Venezuela. Todos esses países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), mecanismo internacional que deverá ser fortalecido a partir de agora. membros de governos que fazem parte da OTCA também estiveram na reunião em Letícia. Além desses chefes de Estado, foi convidado o presidente da França, Emmanuel Macron, representando a Guiana Francesa, território ultramarino do país europeu na América do Sul, que também detêm porções da Floresta Amazônica. Presidentes de outros países que possuem florestas tropicais, como Congo e Indonésia, também devem ser convidados.
Em um pronunciamento abrangente, Lula destacou que a reunião técnico-científica discutiu temas fundamentais como a proteção dos povos indígenas, a promoção da ciência, da tecnologia e da inovação, da bioeconomia e o combate aos crimes transnacionais. O presidente brasileiro enumerou uma série de propostas e expectativas sobre o fortalecimento da cooperação entre os países amazônicos, incluindo a criação de um Fórum de Cidades Amazônicas e um Parlamento Amazônico.
“É preciso valorizar o papel dos prefeitos, governadores e parlamentares. Não se faz política pública sem participação de quem conhece o território. Para isso, queremos formalizar o Foro de Cidades Amazônicas e o Parlamento Amazônico”, disse Lula.
Outras duas medidas na área de ciência e monitoramento também anunciadas. Uma delas é a criação do Observatório Regional da Amazônia, que vai sistematizar e monitorar dados de todos os países para orientar políticas públicas, além de produzir, em tempo real, boletins e alertas sobre secas, cheias, chuvas, incêndios e contaminação das águas. Além disso, Lula propôs a criação de comitê de especialistas da Amazônia, inspirado no Painel Intergovernamental Sobre Mudança do Clima (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), para, segundo ele, “gerar conhecimento e produzir recomendações baseadas na ciência”.
“A formação de redes de contato entre universidades e instituições de pesquisa contribuirá para estimular a produção de conhecimento local, dinamizar as economias e criar oportunidades para nossa juventude, tão carente de alternativas de estudo e trabalho. Podemos fazer muito se dermos à OTCA diretrizes claras e recursos adequados. Por meio de uma coalizão de bancos de desenvolvimento e da mobilização de recursos públicos e privados, vamos fomentar atividades produtivas locais sustentáveis, como a agricultura familiar, a pesca artesanal, projetos agroflorestais e redes de empreendedorismo, sobretudo feminino”, defendeu Lula.
Fortalecimento da OTCA
No encontro em Letícia, Lula e Petro ouviram pronunciamentos de autoridades locais, representantes de entidades da sociedade civil e lideranças indígenas. E seguida, o presidente brasileiro voltou a defender que os países que detêm a floresta precisam fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, processo que deve ser efetivamente iniciado na Cúpula da Amazônia, no mês que vem.
“Hoje, a OTCA é uma ferramenta que, em vez de nos isolar, tem a capacidade de nos projetar para o centro do mais importante desafio da atualidade: a mudança do clima”, disse Lula, observando que o mecanismo regional reúne oito dos países amazônicos e abrange uma série de temas, como proteção dos povos indígenas, políticas de saúde, turismo, infraestrutura e transporte, e sua correlação com o meio ambiente.
“Ao longo de todos esses anos, não temos dado à OTCA a atenção que ela merece. A Cúpula de Belém será um momento de correção de rota”, acrescentou. Criada há 45 anos, a organização é a única socioambiental do mundo, com sede no Brasil.
Lula ainda propôs que os países da região se juntassem para unificar a proposta de zerar o desmatamento na floresta até 2030. “Meu governo vai zerar o desmatamento ilegal até 2030. Esse é um compromisso que os países amazônicos podem assumir juntos na Cúpula de Belém”.
Pelo Tratado de Cooperação Amazônica, de julho de 1978, os países da OTCA assumiram o compromisso comum para a preservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos naturais da Amazônia. Além de priorizar a preservação do meio ambiente, o tratado tem o objetivo de promover o desenvolvimento dos territórios amazônicos, de maneira que as ações conjuntas gerem resultados equitativos e mutuamente benéficos para alcançar o desenvolvimento sustentável das oito nações.
Durante o discurso, Lula ainda falou sobre a necessidade de combater a fome na Amazônia, que têm índices altos de insegurança alimentar, garantir acesso à saúde e enfrentar crimes, incluindo combate à biopirataria e crimes de fronteira. Ele citou a criação do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia em Manaus, e de um Sistema de Controle de Tráfego Aéreo integrado dos países amazônicos para desbaratar as rotas utilizadas pelo crime organizado.
Governança internacional
Em outro ponto do discurso, Lula criticou os atuais espaços de governança global e reivindicou maior protagonismo para os países com vastas extensões florestais.
“Quem tem as maiores reservas florestais e a maior biodiversidade merece maior representatividade. É inexplicável que mecanismos internacionais de financiamento, como o Fundo Global para o Meio Ambiente, que nasceu no Banco Mundial, reproduzam a lógica excludente das instituições de Bretton Woods. Brasil, Colômbia e Equador são obrigados a dividir uma cadeira do conselho do Fundo, enquanto países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Itália e Suécia, ocupam cada um seu próprio assento. Em outros foros, nossa visão também precisa ser levada em conta”, argumentou.
A questão da Amazônia estará no centro das atenções geopolíticas pelos próximos anos, culminando na realização da Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em 2025, na capital paraense. Pela primeira vez, o principal evento das Organização das Nações Unidas (ONU) sobre questões ambientais será realizado no bioma de floresta tropical. O presidente também sugeriu que na edição deste ano da conferência climática, a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, os países que compõem a Amazônia sul-americana levem posições conjuntas questões ambientais.
Lula voltou a dizer que a COP30, em Belém, daqui a dois anos, será uma oportunidade para que o mundo conheça a verdadeira Amazônia. E falou da necessidade de criar políticas para a gigantesca população que vive na região, especialmente em grandes áreas urbanas.
“Muita gente não imagina, por exemplo, que a maior parte da população amazônica é urbana. Das 26 milhões de pessoas que vivem na Amazônia brasileira, 12 milhões estão em cidades com mais de 100 mil habitantes. Essas pessoas necessitam de infraestrutura adequada, educação e alternativas de vida sustentável, que podem vir de fontes como o turismo ou de investimentos em ciência, tecnologia e inovação. A floresta tropical não pode ser vista apenas como um santuário ecológico. O mundo precisa se preocupar com o direito a viver bem dos habitantes da Amazônia. Afinal, o desenvolvimento sustentável possui três dimensões inseparáveis: a econômica, a social e a ambiental”, completou.