Depois de semanas de defesa enfática de José Sarney (PMDB-AP), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou o tom ontem em relação à crise que envolve o presidente do Senado: “Não é problema meu”.
“Não votei no Sarney para ser presidente do Senado nem votei para ele ser senador no Maranhão”, disse Lula. O senador foi eleito pelo Amapá, e não pelo Maranhão -teve 53,9% dos votos, em uma das votações mais apertadas de sua carreira.
“Não votei no [Michel] Temer [presidente da Câmara], não votei no Arthur Virgílio [senador do PSDB-AM], não votei em ninguém. Votei nos senadores de São Paulo, então quem tem de decidir se o presidente Sarney tem de ficar na Presidência do Senado é o Senado”, afirmou.
Pela primeira vez, o presidente da República não deu como certa a permanência de Sarney no comando da Casa. “Somente o Senado, que o elegeu, é que pode dizer se ele vai ficar ou não. Não sou eu”, disse.
Até então, Lula vinha dando declarações públicas de apoio a Sarney, alvo de uma série de denúncias de nepotismo, uso de atos secretos e desvio de verbas públicas na fundação que leva seu nome, no Maranhão.
Ao lado da presidente do Chile, Michelle Bachelet, Lula chegou a se irritar com as perguntas sobre Sarney e a posição do PT em relação ao caso. “Deixa eu “hablar”, Michelle. Tem 20 jornalistas e diz que vão fazer só duas [perguntas]. E, por coincidência, as duas são iguais. Como é que você acha que eu posso dizer sobre o destino da bancada do PT se eles estão de férias e vão voltar na segunda-feira? Não posso, não posso dizer, não posso dizer absolutamente nada”, esquivou-se.
Desde o início da crise, o petista tem enquadrado o partido. No começo do mês, os senadores petistas foram obrigados a recuar de um pedido de afastamento do presidente do Senado. Nesta semana, nova nota dos petistas pedindo a saída de Sarney foi desautorizada.
Apesar de todas as evidências em contrário, Lula disse que não interfere no dia a dia do PT. Mandou que os repórteres ligassem “para o líder do PT na Câmara ou no Congresso” ou para o presidente do partido, Ricardo Berzoini, “que certamente gostará de dar as informações”. Na prática, as bancadas do partido na Câmara e no Senado atuam o tempo todo sob o comando do presidente.
O governo e o próprio Sarney esperavam que o recesso de julho, aliado a um desgaste da repetição do assunto na mídia, amenizasse a situação de Sarney, o que não ocorreu. Lula disse esperar que “agora, com a cabeça fria”, os senadores “decidam normalizar a atuação do Senado”, envolvido em uma de suas piores crises. “Mais do que isso eu não posso pedir.”
A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, encontrou-se com Sarney ontem no hospital Sírio-Libanês, onde ela foi fazer sessão de radioterapia e onde a mulher do senador, Marly, está internada por ter sofrido uma queda. Dilma reforçou que o governo defende a permanência de Sarney no cargo.
Lula e Bachelet deram entrevista na sede da Fiesp. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), acompanhou toda a fala do petista. Ao final, quando repórteres abordaram o tucano para pedir que falasse sobre o tema, Lula deu um tapinha em suas costas e o alertou, em tom meio de brincadeira, meio sério: “Eles querem que você fale mal do Sarney”. Serra não deu entrevista, dizendo que já tinha falado antes com jornalistas.