O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com o presidente da França, Emmanuel Macron, no Palácio do Eliseu, em Paris. Os dois conversaram sobre o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) e os termos para destravar a negociação final entre as partes.
O presidente foi a Paris para participar da Cúpula para o Novo Pacto Global de Financiamento, promovida pelo presidente Macron, nesta quinta e sexta-feira. A cúpula contou com a participação de mais de 300 entidades públicas, privadas ou não governamentais, incluindo mais de 100 chefes de Estado.
Durante seu discurso, ao lado do francês, Lula chamou de ameaça as exigências feitas pela União Europeia para a finalização de um acordo com o Mercosul. A UE enviou aditivos a serem acrescentados no acordo, com a previsão de aplicação de multas em caso de descumprimento de obrigações ambientais.
“A carta adicional que foi feita pela União Europeia não permite que se faça um acordo. Nós vamos fazer a resposta, e vamos mandar a resposta, mas é preciso que a gente comece a discutir. Não é possível que nós tenhamos uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo uma ameaça a um parceiro estratégico”, disse Lula no evento.
O presidente também já defendeu alterações em pontos do acordo de livre comércio sobre compras governamentais. “Eles querem que o governo brasileiro compre as coisas estrangeiras ao invés das coisas brasileiras. E se eles não aceitarem a posição do Brasil, não tem acordo. Nós não podemos abdicar das compras governamentais que são a oportunidade das pequenas e médias empresas sobreviverem nesse país”, disse Lula em discurso no início deste mês.
Aprovado em 2019, após 20 anos de negociações, o acordo Mercosul-UE precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países dos dois blocos para entrar em vigor. A negociação envolve 31 países, o que poderá levar anos e enfrentar resistências.
Desigualdades
No evento de alto nível, hoje, que reuniu os líderes na cúpula, Lula defendeu que o combate às mudanças climáticas precisa ser acompanhado de ações contra a pobreza e cobrou mais investimentos dos países ricos nas economias menos desenvolvidas e em ações contra as desigualdades sociais, de raça e gênero.
“Nós somos um mundo cada vez mais desigual, e cada vez mais a riqueza está concentrada na mão de menos gente, e a pobreza concentrada na mão de mais gente. Se nós não discutirmos essa questão da desigualdade, e se a gente não colocar isso com tanta prioridade quanto a questão climática, a gente pode ter um clima muito bom e o povo [vai] continuar morrendo de fome em vários países do mundo”, disse.
Para o presidente, o mundo precisa aprimorar as instituições internacionais visando a uma nova governança mundial, de acordo com a geopolítica do presente, para coordenar esforços e apoiar as nações em necessidade. Segundo ele, as Nações Unidas precisam voltar a ter representatividade e força política, para que medidas importantes do ponto de vista ambiental possam ser aplicadas de forma global, como forma de combater os efeitos das mudanças climáticas.
“Se nós não mudarmos essas instituições, a questão climática vira uma brincadeira. Quem é que vai cumprir as decisões emanadas dos fóruns que nós fazemos?”, questionou. “Não se cumpre porque não tem uma governança mundial com força para decidir as coisas e a gente cumprir. Se cada um de nós sair de uma COP e voltar para aprovar as coisas dentro do nosso Estado Nacional, nós não iremos aprovar”, acrescentou.
O presidente lembrou ainda que o Brasil irá sediar a COP30, em 2025, pela primeira vez em um estado amazônico, no Pará, na capital Belém.
Agenda em Paris
No encontro com Macron, Lula também tratou sobre a guerra na Ucrânia e temas da agenda bilateral, como a retomada de um intercâmbio cultural e a parceria estratégica entre os países na área de defesa. Brasil e França têm acordo de transferência de tecnologia francesa no âmbito do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que já entregou um submarino em 2022 e prevê a entrega anual de outros três até 2025.
Após a reunião com o presidente francês, hoje em Paris, Lula teve audiências com o presidente do Naval Group, Pierre-Eric Pommellet, com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, com o presidente do Congo, Denis Sassou-Nguesso, e com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o brasileiro Ilan Goldfajn.
A comitiva presidencial só retorna ao Brasil no fim de semana.
Lula chegou a Paris ontem (22) pela manhã e, ao longo do dia teve uma série de reuniões bilaterais, entre elas com os presidentes da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e de Cuba, Miguel Díaz-Canel Bermúdez. Ele também esteve com o primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, com quem conversou sobre a conjuntura mundial e regional e o apoio do governo brasileiro pela estabilidade, combate à pobreza e reconstrução do país caribenho, após os terremotos de 2021 e 2010.
No fim do dia, o presidente discursou no encerramento do evento Power Our Planet, a convite da banda britânica Coldplay. Durante sua fala, Lula responsabilizou os países ricos pela crise climática e reafirmou o compromisso brasileiro de zerar o desmatamento na floresta até 2030.
Itália
Lula está na Europa desde a última terça-feira (20) e, antes da capital francesa, cumpriu agenda em Roma e no Vaticano, na Itália. Lá, ele se reuniu com o presidente italiano, Sergio Matarella, e com a primeira-ministra Giorgia Meloni.
Lula também visitou o papa Francisco, no Vaticano, onde discutiram temas como combate à fome e guerra na Ucrânia. Ainda na Itália, o presidente esteve com o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri, em retribuição à solidariedade do italiano quando Lula esteve preso em Curitiba, em 2018 e 2019.
Cancelamento
A assessoria de imprensa do Palácio do Planalto informou nesta sexta-feira que o encontro que o presidente Lula teria com o príncipe da Arábia Saudita, Mohamed Bin Salman, foi cancelado. Segundo a assessoria, Lula tem tido uma “agenda muito intensa” nesta viagem à França e Itália. O jantar entre o presidente brasileiro e Bin Salman ocorreria no início da noite, no horário de Paris. De acordo com o Planalto, o compromisso com Macron acabou muito tarde, reforçando a necessidade de cancelar a agenda com o príncipe árabe.
O nome de Bin Salman circulou no Brasil recentemente após virem à tona dois kits de joias de valores milionários que teriam sido presenteados por ele a Jair Bolsonaro quando ainda era presidente da República, e à sua esposa, Michelle. A tentativa de Bolsonaro de ficar com os presentes, que, pelo alto valor, deveriam ser remetidos ao acervo da Presidência da República, repercutiu na imprensa e chamou atenção do Tribunal de Contas da União e Receita Federal, dentre outros órgãos.