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Cultura

Luiz Gonzaga: 20 anos sem o Rei do Baião

Mais do que um grande artista, Luiz Gonzaga era um promotor do forró e da cultura nordestina. Entre aqueles que conviveram com o sanfoneiro, vários têm histórias para contar sobre seu caráter generoso e benevolente, um tanto incomum no meio musical. De forma que, além de Dominguinhos, Gonzagão espalhou pelo mundo um bom número de afilhados. A julgar por tal inclinação, a conclusão é que o Rei do Baião levava o título tão a sério que se via na obrigação de trabalhar e cuidar dos seus “súditos”.

Inspirado pelo “mote”, o pesquisador Raymundo Campos desenvolveu uma investigação própria a respeito. O estudo faz parte de um projeto maior, intitulado Cristomatia do baião – Vozes da seca, ainda inédito no formato livro. O texto apresenta Gonzaga como mecenas dos próprios concorrentes e, na época em que não havia leis de incentivo à cultura, desenvolveu a sua própria política cultural, com investimentos “a fundo perdido”.

“Ele ajudava até as pessoas que o tinham magoado em algum momento. Ele gostava de suprir todasas necessidades. Ajudava presenteando os artistas com sanfonas muitas vezes iguais a que ele tocava. Também dava estímulo moral, apoio, queria saber como a pessoa está. Uma vez, ele ofereceu a bilheteria de um show junino a um sanfoneiro com dificuldades de saúde”.

Na opinião de Campos, Gonzagão obteve a “realeza” a partir de seu talento e também graças à sua capacidade em superar as dificuldades do migrante pobre, que vai para uma região desconhecida trabalhar nos serviços mais duros. “Isso gerou um referencial positivo. Mesmo com as deficiências de um nordestino semi-analfabeto, que sai fugido da sua terra, ele foi um exemplo do homem que luta, trabalha e vence. Não do que pede esmola, que é o que acontece hoje no país, em que há uma multidão oficializada de dependentes com orgulho de pedir”.

Campos conta que foi o próprio Gonzaga quem deu sustância para a criação do Cheiro do Povo, que no fim dos anos 70 lotava as instalações do atual Clube Atlântico, em Olinda. “Foi a base de um movimento pela valorização do forró. Gonzaga tocava sem ser anunciado porque no meio-dia da sexta-feira e ele ligava e dizia que estava vindo para o Recife. Em menos de três meses estávamos com a casa cheia todos os dias”. O nome da casa surgiu como resposta a uma declaração do então presidente João Figueiredo. “Eu não sei bem quem perguntou, lá na Ilha do Maruim, se ele gostava do cheiro do povo. Ele respondeu: ‘não gosto do cheiro do povo. Prefiro cheiro de cavalo'”, lembrou o pesquisador que, em 1983, terminou por receber apoio do Rei do Baião numa hora difícil. “Ele soube que estava em dificuldade e me ofereceu um show de graça, num dia que desse dinheiro”.

Além do Gonzaga mecenas e solidário, Campos destaca seu papel de reivindicador social. É sabido que, somente na cidade natal de Exu, em 1973, ele foi responsável pela chegada de telefone, sinal de TV, asfalto e energia elétrica nas áreas rurais. Sem falar que, a pedido do governador Eraldo Gueiros Leite, foi agente de paz da histórica discórdia entre as famílias Alencar e Sampaio. “Ele era de direita, tinha uma visão tradicional do nordeste. Mas não se metia em ideologia, fazia reivindicação sem ódio”.

Vinte anos após a morte do mestre, Campos avalia que, salvo engano, só Dominguinhos mantém, solitário, a índole protetora do mestre do Araripe. “Os outros, apesar de tocar a boa música nordestina, estão fechados em suas carreiras.”