Está prevista para ser votada ainda este mês, na Câmara Federal, a renovação da conhecida Lei de Cotas Raciais que completa dez anos de aplicação nas instituições públicas de ensino superior e técnico do país. A citada lei, de nº 12.711/12, em vigor no país desde 2012, prevê a reserva de 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas autodeclarados negros (pretos e pardos) e indígenas, e com isso ampliar o acesso às universidades para jovens não brancos.
Na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) a política de cotas está em execução desde 2003, como um dos benefícios do Programa de Ações Afirmativas (Paaf) e contempla atualmente cerca de 40% dos alunos da instituição alagoana. Quando do seu início, destinou no então Processo Seletivo Seriado (PSS), 20% das vagas dos cursos de graduação para estudantes negros, sendo esse percentual dividido 60% para mulheres e 40% para homens. Com a aprovação da lei de cotas em 2012, houve a ampliação da Política de Ações Afirmativas na instituição alagoana.
Segundo o coordenador geral do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da Ufal, Danilo Luiz Marques, atualmente, tramitam, no Congresso Nacional, 30 projetos que tratam sobre a revisão da lei e as propostas apresentadas se dividem entre prorrogar e restringir as cotas. Ou seja, total revogação da lei ou a restrição da política afirmativa, excluindo a reserva de vagas para negros (pretos e pardos) e indígenas, mantendo apenas um critério social e não racial.
“O advento da lei de cotas ampliou o acesso para grupos específicos nas instituições federais de ensino superior, e fez parte de um conjunto mais amplo de políticas que buscaram expandir o acesso à universidade. A não renovação da lei de cotas pode significar um profundo retrocesso no combate às desigualdades sociais e raciais que marcam historicamente nosso país”, afirma Danilo.
Mas o coordenador adianta que há também, para a garantia da Lei de Cotas em tramitação na Câmara Federal, 12 projetos que são favoráveis à renovação da citada lei por mais dez anos ou mais. Um deles foi aprovado em regime de urgência para tramitação no dia 16 de dezembro de 2021. Trata-se do Projeto de Lei nº 3422 de autoria dos parlamentares do Partido dos Trabalhadores Valmir Assunção (Bahia), Carlos Zaratini (SP), Benedita da Silva (RJ) e Paulo Fernandes dos Santos, o Paulão, (Alagoas).
Conforme o projeto 3422, em tramitação, fica prorrogado por 50 anos a necessidade de revisão da “lei de cotas” para pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e egressos de escolas públicas para ingresso em instituições federais de educação.
“Além de prorrogar a lei por mais 50 anos, o projeto institui três importantes alterações: estabelece a garantia de Bolsa Permanência para estudantes que ingressaram por essa modalidade de ação afirmativa, cria o Conselho Nacional das Ações Afirmativas no Ensino Superior com participação social e institui o monitoramento permanente e avaliação da política a cada cinco anos”, destaca o coordenador do Neabi.
Pelo projeto 3422, o Conselho Nacional de Ações Afirmativas no Ensino Superior seria configurado em estrutura paritária composta por representantes dos seguintes órgãos e entidades: Ministério da Educação (MEC), Congresso Nacional, Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais (Andifes), Conselho dos Institutos Federais (Conif) e Fórum de Pró-Reitores de Assistência Estudantil (Fonaprace). Na composição do Conselho, os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Neabs), Movimento Negro Antirracista e de Povos Indígenas. Pela proposta, também no conselho entidades de representação estudantil União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES),
Sobre a mobilização nas universidades em defesa da lei de cotas, por meio dos seus núcleos específicos, Danilo Marques diz que, a Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros (as) (ABPN) e o Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (CONNEABs) estão trabalhando intensamente na avaliação dos dez anos da lei de cotas e apresentando propostas para sua manutenção, avaliação e ampliação. Debates, fóruns, seminários e outras atividades estão sendo planejadas para ocorrer ao longo de 2022.
No âmbito da Ufal o Neabi vem realizando o projeto Censo das Ações Afirmativas da Ufal: dez anos da lei de cotas contemplado com recursos por meio do Edital nº 01/2021, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, do Governo Federal , e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Com financiamento via Universitária para o Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (Fundepes), o censo tem o objetivo de avaliar a política de cotas na Ufal, a partir de 2012, quando da aprovação da lei com análise do ingresso, a permanência, o desempenho escolar e as políticas de assistência estudantil.
Ao considerar que atualmente o futuro da lei de cotas é uma “incógnita” devido aos projetos que tramitam para a sua revisão em seus 10 anos de execução, Marques informa que o Neabi da Ufal vem promovendo algumas atividades. A exemplo do estudo das resoluções internas como o PAAF de 2003 e o PAA de 2018, além de editais adotados em processos seletivos da Faculdade de Letras (Fale) e o Instituto de Psicologia (IP)).
“Desse modo, planejamos construir um Plano de Ampliação das Ações Afirmativas da Ufal (PA-AAF) para ser apresentado e debatido no Conselho Universitário. Além da lei 12.711/2012, precisamos trabalhar em prol da aplicação da lei nº 12.990/2014, que reserva 20% do provimento das vagas efetivas e empregos públicos dos concursos da administração pública federal para candidatos negros e pardos. A Ufal precisa ampliar a presença negra e indígena em seu quadro docente”.
Doutor em História Social e docente do curso de História do Campus A. C. Simões, Danilo Marques está à frente do Neabi desde março de 2021 e, na plataforma de trabalho destaca como um grande desafio o debate em torno da ampliação das cotas para pessoas trans – transgênero, transexual e travesti –, refugiados e assentados. Recentemente, o processo seletivo da Faculdade de Letras da Ufal com esse foco, segundo o coordenador, foi duramente criticado por parlamentares da Assembleia Legislativa de Alagoas.
Trajetória do Neabi
Com 42 anos de existência, o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Ufal é o mais antigo do Brasil e foi criado para realizar estudos e pesquisas em prol do tombamento da Serra da Barriga. Ao longo dessas mais de duas décadas de existência, o Núcleo desenvolveu trabalhos em comunidades indígenas e quilombolas, além de formação de professores, formação de professores com a temática do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, bem como pautou a implementação das ações afirmativas da Ufal desde o final da década de 1990.
O Neabi é um órgão de apoio acadêmico vinculado à Reitoria e tem como finalidade colaborar e acompanhar as políticas institucionais de ações afirmativas da Ufal, de modo a atuar em articulação com as Pró-reitorias, as unidades acadêmicas e as diretorias dos campi fora de sede. Cada campus da instituição alagoana (Arapiraca, Sertão e Ceca) possui um Neabi, com sede própria, vinculados ao Núcleo do Campus A. C. Simões. Por conta da lei de cotas e das bancas de heteroidentificação, o Neabi tem trabalhado muito em parceria com a Comissão Permanente do Vestibular (Copeve) e Pró-reitoria de graduação (Prograd).
As atividades em parceria para o fortalecimento das Políticas de Ações Afirmativas da Ufal contam com a participação e liderança dos coordenadores dos demais campi da Ufal representados pelos professores Cícero Luiz Calazans e Regla Toujaguez (Campus Ceca), Marli de Araújo Santos Mayke Andreele (Campus Arapiraca) e Vagner Bijagó e Flávio Aguiar (Campus do Sertão), além da professora Rosa Lúcia Correia, vice-coordenadora do Neabi do Campus A. C. Simões.