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Maceió

O Semeador: primeiro informativo católico do Brasil faz 100 anos

O Semeador representa importante documento histórico

A criação da Diocese de Alagoas se dá num momento de importantes ocorrências administrativas em Alagoas e alguns dos novos administradores estaduais serão grandes entusiastas desta criação, a ponto de fazerem o Estado contribuir com importantes doações em dinheiro para a constituição do patrimônio da Diocese.

Em 1900, é criada a Diocese de Alagoas, período em que está se estabelecendo no Estado um novo pacto político com a ascensão de uma oligarquia ao poder, sob a liderança do político sertanejo Euclides Vieira Malta. Inicia-se o domínio político das classes agrárias ligadas à produção açucareira, que assumem a liderança das demais facções senhoriais. O domínio de Euclides Vieira Malta como liderança máxima do Estado dura por mais de uma década, através de reeleições para o Governo do Estado, até 1912. Maceió tinha cerca de 130 mil habitantes. Seus bairros eram os mesmos do Império. Em 2 de março de 1913, foi criado O Semeador.

Com a Revolução de 1930, o país viveu um dos momentos mais conturbados da sua história, em razão da crise na área política, a queda do presidente Washington Luís e a ascensão ao comando do País do então ministro da Fazenda, Getulio Vargas. Consequentemente, a imprensa brasileira viveu um de seus piores momentos, com o fechamento e a destruição de empresas do setor, a censura prévia, perseguição a jornalistas e os rigores da Ditadura, do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo. Tais acontecimentos, e mais os efeitos da Segunda Guerra Mundial, foram testes de resistência deste diário católico.
Na década de 1950, o Estado de Alagoas passava por mudanças significativas, tanto na vida política quanto em sua economia, mudanças que agravaram sobremaneira a já grave problemática social no campo. Na Arquidiocese de Maceió, esses anos corresponderam ao período de dinamização das atividades de ação social da Igreja local, de seu direcionamento para o ruralismo e de montagem de uma infraestrutura básica, que daria suporte a esta ação social. Este processo foi conduzido por Dom Adelmo Machado, antigo clérigo da Igreja local, cuja presença na Arquidiocese como arcebispo coadjutor, a partir de 1955, incrementou a Ação Católica, implantada em 1940 por Dom Ranulpho da Silva Farias, e a ação social desta Arquidiocese.

No inicio da década de 1960, surge o serviço de Orientação Religiosa de Alagoas (Soral), responsável pelo processo de sindicalização rural na área territorial da Arquidiocese. Ainda como parte desta estruturação, em 8 de fevereiro de 1962, conforme o Diário Oficial da União, é publicada a concessão da Rádio Educadora Palmares de Alagoas, sendo inaugurada oficialmente em 18 de agosto do mesmo ano, conforme livro de tombo, n°15, folha 85, que possibilitou as Escolas Radiofônicas orientadas pelo Movimento de Educação de Base (MEB).

Havia neste tempo um despertar crescente para as questões sociais, em vários níveis. A Arquidiocese de Maceió, através de Dom Adelmo Machado, participava conscientemente desse momento, com a promoção das Semanas Ruralistas, com a criação dos Sindicatos Rurais e dos Círculos Operários, culminando com a Instalação da Rádio Educadora Palmares de Alagoas, integrada ao MEB (Movimento de Educação de Base), com o apoio do MEC (Ministério da Educação e Cultura).

A Igreja de Alagoas e o discurso anticomunista

As páginas de O Semeador foram o principal veículo da campanha anticomunista da Arquidiocese, e a historiografia local registra a atitude anticomunista da Igreja Católica, expressa por este periódico já na década de 1930. O Semeador publica editorial em que defende atitude cautelosa contra o comunismo, fala da penetração comunista no que chamava de classes populares e pede providências para que os conservadores se fortaleçam com a criação de um partido consistente.

A expansão do fenômeno comunista em Alagoas passa a povoar o imaginário político do período, estimulado pela produção de falas e discursos veiculados, seja na mídia impressa, seja nos púlpitos das Igrejas. Estamos diante da constituição de uma mitologia política em torno do comunismo e que tem como um de seus agentes mais importantes a Igreja Católica.

A Igreja em Alagoas dedica muita atenção ao combate ao comunismo, reproduzindo as atitudes de Roma, embora a ameaça comunista não fosse muito pronunciada no Brasil. Clérigos brasileiros retratavam os comunistas como degenerados com desvios morais, “uma praga moderna”, “bárbaros modernos, armados de foice e martelo”.

Por outro lado, apesar de inspirar a esquerda Católica, João XXIII aparece em circunstâncias favoráveis nos textos confeccionados por articulistas e cronistas – certamente não postulantes a qualquer indisposição com a Igreja, cujo líder local, o conservador D. Adelmo Machado, integra os altos círculos da sociedade.

A ação social católica, no caso particular da Arquidiocese de Maceió, não foi motivada unicamente pela necessidade de antepor barreiras a um pretenso avanço do comunismo. Mas a realização das Semanas Ruralistas, a educação de base, a rádio-educação, o sindicalismo rural estão ligados à existência da pobreza, da miséria, da opressão do trabalhador, urbano ou rural, a falta de terra para plantar. Resumindo: à questão social.
A questão social é considerada terreno fértil à pregação comunista e a melhor forma de evitar seu florescimento é resolvendo-a. Não basta uma atitude negativa, passiva, de repressão ao comunismo, mas uma atitude positiva, ativa, da Igreja e dos governos para combatê-lo e esta atitude se traduzia no que diz respeito ao ambiente eclesial na ação social católica.

A Liga Camponesa, liderada pelo deputado Julião, é anunciada à população como ação comunista, na edição de “O Semeador” de 11 de janeiro de 1964.

O primeiro semestre de 1964 foi marcado por greves. Vivia-se um clima pré – revolucionário, com incidentes espalhados por todo o País. Registra-se em “O Semeador” de 17 de janeiro de 1964 o evento ocorrido em João Pessoa entre líderes da liga camponesa e fazendeiros.
A partir de 4 de abril de 1964, o Jornal “O Semeador” não mais ataca o Governo do General Luiz de Souza Cavalcante, mas publica manchetes dando salvas ao golpe. O jornal chega a dedicar espaços privilegiados – em manchetes – para afirmações exasperadas, como aquela publicada em 12 de abril de 1964, já após o golpe, em que se lê: “D. Jaime Câmara: Eliminar o comunismo é como matar em legítima defesa”.

O discurso anticomunista da Igreja Católica em Alagoas encontra terreno favorável a sua propagação no governo do Major Luiz de Souza Cavalcante, que rompe com a política populista de Muniz Falcão vivida entre 1956 a 1961. Estabeleceu uma espécie de pacto entre o poder central, cada vez mais centralizador e as forças políticas de base agrária do Nordeste, que legitimam os regimes militares. Através deste pacto, aumentou o grau de subordinação dos níveis locais e estaduais, não afetando a estrutura fundiária.

O discurso eclesial anticomunista apareceu de forma exacerbada, em artigos publicados em O Semeador, nos meses que antecederam o Golpe Militar de 1964. O jornal funcionou como amplificador do discurso das elites locais sobre o Perigo Comunista. Os cardeais alertam o povo, ao tempo em que conclamam os brasileiros à resistência, diante do fato comunista. “Os cardeais do Rio de Janeiro e da Bahia clamam pela ação do governo em defesa do País ameaçado de ser tragado pelos asseclas de Moscou. Todos os brasileiros se unam e devem levantar-se contra os inimigos da pátria. A hora é extremamente grave”, defende O Semeador.
Padre Arlindo Vieira, no artigo publicado em O Semeador, define o Comunismo como planta daninha, flagelo da humanidade, promotor do ódio e da luta de classe: “O comunismo ateu, o mais terrível castigo de Deus, o maior flagelo da humanidade, prega abertamente o ódio, a luta de classes. Onde há caridade, onde há amor, não viceja essa planta daninha”, cita o informativo.

Informativo religioso acompanha história sob perspectiva da Igreja

No final de março de 1964, prevalece o Golpe de Estado -, engendrado pelo bloco modernizante-conservador em nível nacional. O movimento golpista conta com o apoio do então governador de Alagoas, Major Luiz Cavalcante, que integra o bloco conservador.

No Estado, a composição do bloco da classe dominante arregimenta a insípida camada dos industriais urbanos – detentores de menor poder político e econômico – e os estratos de agropecuaristas – como plantadores de cana (fornecedores das usinas) -, sob a liderança do influente estrato dos agroindustriais da cana-de-açúcar. Os usineiros são hegemônicos no Estado desde a materialização da modernização dos ancestrais engenhos de cana-de-açúcar.

O major Luiz Cavalcante, de oposição declarada ao governo Goulart e anticomunista ligado ao Ipes/Ibad, foi um dos principais articuladores do golpe militar de 1964, tendo o apoio local de Ib Gatto Falcão, Everaldo Macedo de Oliveira, Hélio Machado Ferreira, Japson Macedo e Paulo de Assis Ribeiro, que através de seu escritório Etpar, dava apoio logístico às ações ideológicas, políticas e partidárias que culminam no golpe de 1964.

O golpe contou com o explícito apoio do então arcebispo de Maceió Dom Adelmo Cavalcante Machado. Ele celebrou, ao lado do então governador de Alagoas, autoridades estaduais, empresários e clérigos, a missa de ação de graças pela vitória da revolução, ou “Golpe Militar”, depois de realizar a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, nas ruas do centro da cidade de Maceió.

Em abril de 1964, O Semeador não mais ataca o governo, publica matérias aclamando o golpe, mudando assim sua tática ideológica.

A marginalização das causas populares e dos movimentos sociais e a legitimação de ensejos particulares de determinadas classes transformam o Brasil por cima. E o apoio dos Meios de Comunicação de Massa, dos grandes impressos, foi determinante para estas transformações.

A posição da Igreja de Maceió no golpe de 1964 não pode ser compreendida separada das atitudes políticas da própria Igreja, nem separada da própria ação católica que elabora o discurso eclesial anticomunista. Será necessário contextualizar o golpe de 1964, na diversidade de posicionamentos da Igreja Católica de Maceió, atentando para a existência de uma esquerda católica que foi sufocada pela expressa posição de seu arcebispo, Dom Adelmo Machado, liderança responsável pela estruturação da ação social católica da Igreja local. Dom Adelmo, diante da “ameaça comunista”, cerrou fileiras ao lado do governador Major Luiz de Souza Cavalcante.

Mesmo enfileirando a base de luta anticomunista, podemos ver que Dom Adelmo protegeu, nos bastidores, vários integrantes da esquerda católica atingidos pela repressão, religiosos e leigos. É importante considerar a multiplicidade de posições, de tendências que podem existir no interior de uma mesma instituição, ainda que, em momentos diversos, uma ou outra seja dominante, sobressaindo-se entre as demais.

O Semeador, Ano 100

Sem dúvida, durante cem anos, um jornal não tem como não reunir histórias interessantes. Certamente, uma coletânea dessa longa vivência pautará as reportagens sobre o seu centenário. Mas como nada com cem anos de existência passa incólume às existências humanas ao longo de tanto tempo, esta matéria certamente é apenas um dos capítulos interessantes da vida de O Semeador.

Nestes cem anos, houve tentativas de renovação de seu formato e edição, como quando nos tempos de Pe. Fernando Iório, depois Bispo de Palmeira dos Índios, ou ainda quando assumiu sua direção o professor João Azevedo, ex-reitor da Universidade Federal de Alagoas, ou quando, dos seus noventa e nove anos, veio a tentativa de sua publicação online. Hoje, ao celebrarmos o seu centenário, O Semeador espera vida nova, com novas aparências e efetiva divulgação e distribuição.

Um século de existência e uma trajetória emoldurada de muitas sementes lançadas nos meios de comunicação, uma história permeada de valores éticos e muitos registros históricos de Alagoas.

Ao longo da sua trajetória, O Semeador mudou sua periodicidade várias vezes, sofrendo até interregnos de publicação, mas nunca paralisou suas atividades nem fechou suas portas e é o primeiro a celebrar o Centenário neste ano de 2013.

Sem dúvidas, durante estes 100 anos, o “O Semeador” reuniu histórias interessantes que não passaram despercebidas ao longo do tempo. Mesmo com as notícias redigidas com a pena no tinteiro e quando o telefone de apenas três dígitos era o que havia de mais moderno na redação, mesmo assim, não podemos falar que o trabalho jornalístico era amador ou apenas de cunho literário, apesar de os jornais exercerem forte influência na vida literária dos indivíduos até hoje. Para muitos pesquisadores, os velhos jornais se tornaram uma das maiores fontes de consulta histórica da era moderna. Verdadeiros recortes do passado que sobreviveram ao futuro, com dados, nomes e datas, que marcam a nossa história.