Ao longo dos 51 anos de vida na minha Penedo, como sempre, aqui e acolá uma surpresa. Às vezes desagradável e por vezes prazerosa. Esta manhã de domingo dia 27 de novembro de 2016 vai ficar registrada em minha memória para sempre.
Acordo do pesado sono com os carinhos de minha esposa Madalena sentada à beira da cama dizendo que o Chico Pinheiro, (Francisco Pinheiro Gama) ex-vereador, pessoa conhecida desta comuna queria falar-me. Vendo meu enfadado corpo ainda sob o acalento de Morfeu, resolveu Madalena antecipar o assunto ela mesma: O Chico está dizendo que vândalos derrubaram o busto do Comendador Peixoto no chão da Praça… Quer saber o que fazer? Se pode trazer aqui para casa?… Mesmo sonolento, como um bom penedense, solidário ao infortúnio e a agonia de um amigo conterrâneo não hesitei dizendo: traga para cá. Desincumbido da liminar decisão me entreguei novamente ao sono. Uma hora depois, já acordado desço para o café e me deparo com o busto do Comendador Peixoto abancado na soleira da porta principal da nossa casa. Fui vê-lo, pois visitas não devem ser deixadas à porta sem atenção. Não é educado para um penedense de boa cepa. Observei um semblante de tristeza no Comendador. Sujo, marcado pelo excremento dos pássaros, esverdeado pelo limo que acomete o bronze quando exposto ao relento ao longo dos anos. De pronto, divaguei no imaginário do passado longínquo da imortalidade e, da história de Penedo. Comecei a imaginar o que estaria passando na cabeça do espírito do Comendador Peixoto naquela hora. Veio à mente em síntese: agonia e glória. A primeira sensação decorre da sua situação em meio a sua praça desértica, desprovida de qualquer vegetação, sem bancos. Abandonado, sujo e sem iluminação seu busto jaz esquecido igualmente seus gestos de amor desprendidos a Penedo. Ações que muito favoreceram ao seu desenvolvimento e da região do Baixo São Francisco. Como se não bastasse o esquecimento, nem mesmo justa homenagem que lhe prestaram pode ficar incólume. Após uma noite de festa na orla ribeirinha, tiros, tumulto, correria e vandalismo arrancaram-lhe sua placa e tombaram seu busto centenário ao solo. Que Penedo é essa? Que modos são esses de se tratar um dignitário e benfeitor da cidade? Se ilustres são assim tratados, dou por visto os comuns cidadãos, deve ter se perguntado com razão e indignação o Comendador.
Mas, sua mente agora decerto se remete a glória, convicto que não há tempo bom que perdure, nem ruim que não se finde, após as trevas da noite anterior, nas primeiras horas da manhã, Penedo do bem desperta. De pronto, os verdadeiros donos da cidade, movidos pelo amor a sua comunidade vão até o local do ato criminoso e socorrem o Comendador retirando seu busto do chão da praça. Preocupados com seu destino, entram em contato com a primeira autoridade que representa os interesses do Comendador, indubitavelmente, patrimônio da municipalidade. E foi assim que o Procurador Geral do Município foi acionado na manhã de domingo. Em se tratando do nosso Comendador Peixoto uma comitiva de guardiões penedenses conduziram-no a nossa casa. Cidadãos de primeira grandeza quando se trata de zelar por nossa educação, cultura e patrimônio. E assim três respeitáveis penedenses, pessoas do povo, como tem que ser, socorreram o Comendador: José Gasparino dos Santos (Gaspar taxista) Francisco Pinheiro Gama (Chico Pinheiro) e Ezequiel Macário dos Santos (Zé de Anália). Reafirmo as qualidades dos três, todos conhecidos e amigos meus de longa data.
Mas o que fazer com a augusta e inesperada visita do Comendador Peixoto no domingo? Deixá-lo à porta? Guardá-lo na garagem ou no depósito da casa até entregar-lhe ao Secretário de Obras na segunda para sua recolocação na Praça que leva seu nome? Mesmo já tendo recebido telefonema do Secretário Euclides Santana que perguntava sobre o paradeiro do Comendador, visto que, a notícia do fato criminoso chegara ao seu conhecimento, resolvi mitigar a agressão sofrida pelo meu agora hóspede. Primeiro o convidei para um café da manhã, afinal de contas não sei quando terei outra oportunidade de receber tão nobre visita. Como estava com parentes em casa não tive receio de oferecer o café regional dos penedenses. Curioso mesmo é que ultimamente tenho recebido muitas surpresas, dentre elas almoço com Almirante do 3° Distrito Naval, recepção ao Núncio Apostólico do Brasil e ao Presidente da Associação Nacional dos Procuradores. O Comendador deu sequência. Num Brasil em que só se assiste à degradação, à corrupção e à bandidagem, receber pessoas do bem em casa é um grande alento. Nunca imaginei ter o Comendador a minha mesa, mas, consoante dito alhures, Penedo tem suas surpresas. Recebi em minha casa o ancestral de nobre e amiga família com a qual mantenho laços fraternos desde minha infância. Coincidência para o Comendador Peixoto, neste domingo fatídico, todos os descendentes diretos dele se encontravam viajando à Brasília para as comemorações de aniversário de sua bisneta Ivone de Almeida Peixoto. Imagine, além de retirado violentamente de seu habitat, nenhum parente por perto para acolher sua imagem. Sem dúvida situação angustiante e constrangedora.
Pois bem, agora refeito do susto, garanto aos conterrâneos que o Comendador Peixoto em breve retornará ao seu local de origem, porém, antes, será polido e tratado, terá iluminação restaurada, sua placa polida e pintada e fixação do busto com parafusos para evitar surpresas desagradáveis. Palavra do cidadão penedense subscritor do presente. Ousadia, criminosos sonharem que vamos nos quedar a barbárie. Ledo engano. Farei o B.O (boletim de ocorrência) na Delegacia de Polícia pedindo providências contra os criminosos, lembrando que eu não perdi nenhuma aula de Direito Penal na faculdade, nem vou prevaricar das minhas honradas funções de Procurador do Município. Nosso Código Penal assim dispõe:
Dano
Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Dano qualificado
Parágrafo único – Se o crime é cometido:
III – contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;
Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Apesar de sentir durante o café da manhã que o Comendador Peixoto me pareceu saudoso dos tempos da palmatória e do Oratório da Forca, donde criminosos tinham um castigo um tanto quanto mais severo e, pessoalmente, deveras inclinado a concordar com ele, visto que tais atos de vandalismo me remetem aos meus instintos mais primitivos, afasto truculentas ideias ao ouvir o sino do Convento chamando para a missa da manhã. Assim, reconduzido a lucidez Franciscana de minha formação, deixo aqui registrado que Penedo, seu verdadeiro povo de sentimento e fé, do bem, do amor, do Chico, do Zé de Anália, do Gaspar e outros milhares, estão vivos no seu agir, pensar e jamais vão sucumbir seus valores de respeito e urbanidade. Penedo e sua alma valorosa não se quedam nunca. Não será o tombar de um busto que vai aniquilar nossa cultura e nosso modo viver e amar Penedo. Depois da agonia, advém a glória. Podem tentar, jamais conseguirão abalar o caráter dos penedenses, enraizado no âmago das rochas de seu solo. Sempre ressurgiremos. O mal só triunfa quando o bem se omite. Onde houver o bem a fazer os penedenses o farão.