As demandas envolvendo internação compulsória de usuários de droga, com base na Lei Federal n.º 10.216/01, trazem sérias preocupações para a Defensoria Pública de Alagoas. As dificuldades vão desde a obtenção de um laudo médico até a efetivação da medida de internação. O Núcleo de Fazenda Pública, responsável por iniciar e acompanhar essas demandas, lida com esses desafios quase diariamente.
“A situação é de caos absoluto. Os relatos das famílias são aterrorizantes e os problemas são inúmeros. O usuário de droga, além de si mesmo, leva para o fosso os seus familiares, parentes, amigos próximos, e gera diversos conflitos, inclusive com vizinhos. Há mães que não têm como sair de casa para trabalhar por terem de cuidar desses indivíduos; há usuários que agridem seus próprios familiares, irmãos, mães, pais, avós, etc; muitas dessas pessoas subjugam-se ao tráfico para poder sustentar seu vício ou praticam furtos ou roubos para financiar sua droga. Num dos casos extremos que presenciamos, um pai disse que não suportava mais tanto sofrimento e que poderia num ímpeto matar o próprio filho, tamanho o desespero”, pontuou o defensor público Fabrício Leão Souto.
Outro obstáculo constante, segundo o ele, diz respeito à obtenção de laudos médicos exigidos pela Lei. “O art. 6º da Lei Federal n.º 10.216/01 exige laudo médico circunstanciado para que se possa proceder à internação involuntária ou compulsória. Entretanto, ou não há médicos ou os que há são insuficientes. Ademais, é extremamente difícil conduzir uma pessoa dessas para realizar um exame. Essas pessoas não só não colaboram de modo algum, como também demonstram resistência agressiva muitas vezes. Longe das abstrações, essa é a realidade, infelizmente. Daí por que a exigência da lei especificamente em alguns casos peculiares pode se mostrar inconstitucional. Contentar-se com essa exigência abstrata, pura e simples, em todos os casos, sem considerar outras circunstâncias e outros elementos concretos pode significar negar tutela jurisdicional efetiva e tempestiva.
Uma possível solução seria a Justiça determinar liminarmente a internação inclusive para que se proceda ao exame ou o Poder Público criar e ampliar as equipes de atendimento especial nessas hipóteses “, aponta Fabrício Leão Souto.
Segundo ele, mesmo quando se consegue obter o laudo médico, as dificuldades não param por aí. “Em muitos casos a Justiça dá uma ordem liminarmente. Porém, os Poderes Públicos demoram muito para cumprir, quando cumprem”, explica.
Nos últimos meses já são mais de 130 ações que demandam internação compulsória, 16 só nos 15 primeiros dias de maio. Além da demanda crescente, a preocupação especial com essas ações ocorre por conta do cunho interventivo, embora legítimo e legal, que inevitavelmente têm.
“A Defensoria Pública somente propõe essas ações com base em algum documento, laudo de assistente social, psicólogo, etc., ou relato de familiares e vizinhos que chegam em franco desespero na Instituição acompanhado de alguma prova, indício ou outro elemento de convencimento. São ações embasadas e propostas com responsabilidade e ciência da gravidade que representam em termos de intervenção na vida e na liberdade de um sujeito, daí o excepcional cuidado adicional nesses casos”, disse o defensor público Fabrício Leão Souto.
Recentemente, outras discussões jurídicas que surgiram nos processos passaram a atrasar ainda mais o seu andamento, a exemplo da questão sobre a vara judicial competência para processar e julgar tais ações.
“Esse é o panorama. O sujeito quando adoece, geralmente, padece sozinho, na maioria dos casos. Já quando envolve droga, ele fatalmente arrasta todos ao seu redor para o problema. É necessário que a Justiça aja de forma enérgica em casos de descumprimento de ordem judicial nessas demandas e considere determinar a internação compulsória inclusive para efeito de realização do referido exame. Do contrário, ficaremos, lamentavelmente, dizendo para a família praticamente se virar e achar um jeito de conseguir o laudo médico, seja na força, seja de que forma for e os Poderes Públicos federal, estadual e municipal tenderão a permanecer de costas para o problema, pois o que existe de política pública nesse assunto é totalmente insuficiente. E já se discute no Congresso Nacional a legalização de algumas drogas, o que além de não resolver o problema, poderá piorá-lo sensivelmente. Caso eventualmente seja aprovada essa Lei, problemas como esses que estão aí disseminados na sociedade, destruindo famílias, tenderão a se alastrar. Pior, com a autorização da Lei e concordância estatal. Se hoje que é considerado crime é esse caos, pense como será caso se dê autorização legal para as pessoas consumirem drogas. Haverá estrutura para tratar uma legião usuários de drogas que o fazem à luz do dia com a autorização da Lei? Pessoas nessa condição geralmente não trabalham e não têm fonte de renda própria. Como irão sustentar o seu vício e as suas compulsões? Mediante furto, roubo, etc.? Ou mediante subsídio estatal? Como? A rede pública de saúde que já não dá vazão para outras demandas mais essenciais, terá mais essa para cuidar em larga escala? Essas são questões ainda sem respostas. Enfim, esse é um tema que a sociedade precisa enfrentar e refletir, qualquer que seja a decisão a ser adotada, com muita calma antes de fazer ensaios e aventuras com a Lei em tema tão sensível e complexo”, conclui o defensor público Fabrício Leão Souto.
