Uma simples ideia vem conseguindo transformar Alagoas em referência internacional no reconhecimento de paternidade. Trata-se do Núcleo de Promoção da Filiação do Tribunal de Justiça (NPF/TJ-AL), pensado e coordenado pela juíza Ana Florinda Mendonça. Parte do projeto Registro Integral – com a emissão da certidão de nascimento ainda na maternidade -, a iniciativa busca identificar crianças que possuam registro incompleto.
O núcleo, criado em 2008, surgiu depois de uma pesquisa acadêmica realizada pela magistrada em conjunto com estudantes de Direito do Cesmac. O estudo revelou que 20% das certidões de nascimento de Maceió não possuíam o nome do pai. “Verificamos que esse número poderia ser reduzido se a lei da averiguação de paternidade fosse cumprida”, diz Ana Florinda, que, partir daí, decidiu desenvolver um trabalho que modificasse as estatísticas.
Ela ressalta que, hoje, todas as ações ficam a cargo da 22ª Vara Cível da Capital – ao contrário do que acontecia antes, quando as comunicações eram espalhadas entre vários juízes. Além da centralização, a iniciativa também inovou ao montar uma equipe com assistentes sociais e psicólogos, que trabalham com os pais e mães durante todo o processo.
Outra novidade foi a parceria com a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que desenvolveu um kit de coleta de material genético a partir da saliva. Com ele, é possível fazer a coleta bucal em escolas, presídios e até mesmo enviá-lo para outros estados. “Para tirar sangue precisaríamos ter um profissional de saúde, além de um armazenamento adequado. Esse kit que usamos torna tudo mais fácil e prático”, diz Ana Florinda.
Trabalho nas escolas
Para chegar a um número cada vez maior de crianças, o NPF atua também em escolas da rede pública, fazendo reconhecimento das famílias informais, como classifica a juíza. O trabalho é realizado por meio de palestras de sensibilização e de levantamento dos alunos que não possuem o nome do pai na certidão de nascimento. Depois dessas etapas, é hora de entrar em contato com as mães para explicar o funcionamento do projeto.
“Chamamos as mães para ver se podemos encontrar esse pai e acrescentar o nome dele no registro. Tudo isso acontece na própria escola. No ano passado, verificamos que muitos jovens não queriam conhecer o pai, pois já conviviam com o atual companheiro da mãe, e criamos um projeto de adoção voltado para os padrastos. Fazemos uma avaliação rigorosa e, depois dela, pode acontecer a adoção unilateral”, explica Ana Florinda.
Além das unidades escolares, o trabalho de campo acontece também nos presídios. “O filho não pode visitar o pai que esteja preso se não estiver registrado no nome dele. Por isso, vamos até as penitenciárias para realizar o reconhecimento e fazer o exame de DNA, caso seja necessário. A maioria dos pais fica feliz por poder ver a criança ou até mesmo conhecê-la, já que muitos dos presos nunca tiveram contato com os filhos”, acrescenta a magistrada.
Reconhecimento
A iniciativa tem surtido resultados e, até agora, somente nove casos foram encaminhados para ações judiciais. Desde 2009, mais de 1.100 reconhecimentos espontâneos foram realizados, sendo mais de 65% sem a necessidade do exame de DNA. Tamanho trabalho vem sendo recompensado: em 2010, o TJ-AL ganhou uma menção honrosa no Prêmio Innovare, que visa destacar práticas inovadoras que colaborem para o acesso à Justiça.
A própria criadora do Núcleo de Promoção da Filiação também já foi agraciada com a comenda Nise da Silveira, concedida pelo Governo do Estado devido ao projeto. “Acho que esse sucesso se deve ao fato de termos preenchido um espaço que ainda estava vazio em Alagoas. As audiências demoravam, as famílias não tinham como pagar advogado e a mãe ainda enfrentava preconceito. Fico feliz em ter a oportunidade de mudar isso”.
Outro reconhecimento ao NPF veio com o convênio firmado com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que estabeleceu uma parceria com o Tribunal de Justiça para capacitação da equipe, apoio ao planejamento e monitoramento das ações. Uma cartilha com todas as informações sobre o projeto também foi lançada junto ao órgão internacional e permite conhecer o passo a passo dos processos.
Este ano, o trabalho do núcleo deve ser ampliado ainda mais, já que a iniciativa foi contemplada com uma verba de R$ 90 mil do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep), mantido pelo Governo do Estado. Os recursos serão utilizados em treinamentos e na compra de testes psicológicos e de um veículo. “Cerca de 80% dos nossos usuários não têm como arcar com os custos e, por isso, esse dinheiro será muito importante”, acrescenta Ana Florinda.
Ela destaca ainda a importância do apoio do poder público. “O Governo e a Justiça têm que ficar atentos a essas pessoas, que não têm condições de procurar seus direitos. A criança é um ser frágil e precisa do suporte da sociedade. Todo mundo deveria ter a oportunidade de ter uma família estruturada e é muito bom ver histórias tristes se transformando em histórias felizes”, diz a juíza, que trabalha com o tema desde 1998 e, atualmente, cursa um doutorado na área na Universidade de Lisboa.
