Mesmo sendo total a nossa ignorância sobre a ciência da computação e robótica, não nos sentimos tolhidos a opinar a respeito do tema acima. Seguimos um famoso grego que dizia que embora somente poucos possam dar origem a uma política, todos somos capazes de criticá-la. É o que vamos fazer, pois, por mais sólidos que possam parecer os fundamentos de uma teoria, serão sempre incompletos, segundo o Teorema da Incompletude de Gödel. Mais cedo ou mais tarde serão contestados.
Sobre a interrogação acima há divergência, uns achando que poderão representar um perigo e outros, com os quais concordamos, pela inofensividade. Certamente não irão fazer exceção à regra sem deixar de exibir as duas faces da moeda, mas sem chegar, no que se refere ao mal, a se transformarem em bandidos ou anjos rebeldes contra seus criadores. Alguns dos perigos apontados seriam o controle dos bancos de dados, mercado financeiro, redes de distribuição e sistemas de armamentos. Perguntamos: com que objetivo fariam isso? Eles poderão agir das mais diferentes formas em busca de uma finalidade na vida?
Pouco importando se surgimos no mundo pela via natural ou pelo criacionismo como querem os religiosos, o homem continua na sua infinda jornada à procura da revelação dos mistérios, os mais apimentados ingredientes da vida e sem os quais ficaria estéril. Mas, por maior que seja essa pretensão, será que já surgiu na mente de alguém a crença de que o homem possa um dia dominar e controlar por completo as leis da natureza ou chegar ao pleno conhecimento dos enigmas da criação? Somente na cabeça de um louco. A presente indagação, entendemos, comporta idêntica relação entre Deus e o homem e este com os humanoides. Será concebível, a não ser pela lógica do avesso, imaginar que o criador venha um dia a ser suplantado pela criatura? Esse é o cerne que move o pensamento sobre o crescente poder dos computadores, possivelmente chegando a fugir do controle humano. Teremos, então, os semi-deuses de metal com mentalidade, ação, reação e demais sentimentos humanos, o que não acreditamos venha a concretizar-se. Achamos que emoções e sentimentos sejam apenas possíveis na matéria orgânica, no homem. Admitir que o humanoide possa vir a ter esses atributos, estaremos diante do segundo mistério da criação quando Deus, através do sopro, deu-lhe vida. Agora, o homem, ultrapassando o poder Divino, dará vida à matéria inanimada, ao metal sem vida. Os computadores, sem dúvida, são surpreendentes pela diversidade de contribuições ao mundo atual. De uma memória fantástica e capaz de elaborar bilhões de cálculos, superando de longe o homem, é preciso que se atente para o fato de que toda essa proeza é fruto da inteligência humana que terá condições, por evidente razão, de dominá-los, como faz, através de dispositivos para esse fim. Não admitir isso seria uma aberração.
Há um exagerado otimismo por parte de alguns cientistas que lidam com a inteligência artificial a tal ponto, que chegam a endeusá-la, acreditando-a capaz, num futuro crítico para a humanidade, de encontrar um caminho para salvá-la da extinção. Uma outra façanha dos computadores, certamente por tabela os humanoides, será a capacidade de se reprogramarem, eis a raiz do perigo, numa sucessão indefinida, tornando-se consequentemente, mais potentes. Chegariam, assim, ao ponto ômega, segundo o físico Frank Tipler, transformando o universo num único computador onipotente e onisciente. Eis que uma máquina, criação da criatura, torna-se Deus. Como podemos aceitar que inteligências tão privilegiadas, esbarrem, paradoxalmente, na irracionalidade, ignorando e invertendo a lógica mais evidente? Ora, se a ciência já chegou ao fim, os mistérios reduzidos a trivialidade através do referido ponto ômega, decretada estaria o fim da vida, mergulhada no marasmo pela falta do que criar. Em outras palavras, atingir-se-ia a perfeição que, parada e sem movimento pela ausência do embate dos contrários que levariam ao conhecimento, já esgotado, morta estaria a vida.
Para concluirmos, voltemos aos prováveis danos acima citados e perguntamos: Esses danos seriam acidentais ou premeditados? Na primeira hipótese, seria sanável a falha. Como compreender a segunda? Qual a razão que levaria o humanoide a praticar o mal contra o homem? Vingança? Fundamentada em quê? Nós para nos comportarmos assim, somos levados por diversos motivos. Embora a robótica tenha por finalidade aproximar semelhanças do homem ao humanoide, imprimindo-lhe sentimentos e emoções, achamos que os mesmos, se virem a concretizar-se, serão apenas aparência, ausente à força viva que não pode emanar de um amontoado de metal.
O mundo logo alcançará o status de civilização altamente evoluído pela sofisticação tecnológica, especialmente no campo da computação e robótica, mas ao contrário dos que acreditam que os humanoides poderão ser futuros anjos rebeldes, achamos que o homem terá sempre preservada a sua superioridade, jamais irá contrariar a inteligência, a lógica e o bom-senso e tornar-se um subalterno, um escravo da sua própria criação.
Em resumo, os humanoides só poderiam representar um perigo para a humanidade se tivessem, nos mínimos detalhes, a mesma constituição psicológica do homem. Ter crença e acreditar numa finalidade de suas ações e da vida, aspirar objetivos, ter princípios de moralidade, ser bom e mau, fazer a guerra e a paz. Ter a sensibilidade de apreciar a beleza, amar e perpetuar-se através da reprodução. Será isso possível? A personalidade, segundo unânime entendimento dos psicólogos, contém tendências polares que entram em conflito, condição que revela a verdadeira essência da vida. A criatividade do gênio, por exemplo, resulta de um fator especial da sua constituição que, como afirmava Kretschmer, há um ingrediente psicopata, o fermento da inquietação demoníaca e a tensão psicológica. Não conseguimos imaginar que uma máquina, por mais complexa que seja sua tecnologia, possa incorporar a incompreensível complexidade psicológica do homem. Fazê-los aparentar sentimentos e emoções humanas não passará, sem dúvida, de mera aparência, sem o ardor da vida. Se enganados estivermos, certamente haverá uma psicologia humanoide. Será possível?
A ficção, a criatividade e o conhecimento científico têm limites. O homem, por diversas razões, pode nutrir o sentimento suicida e consumá-lo. Em sentido inverso, é completamente inaceitável que a fria e insaciável inteligência, sempre direcionada para a frente, retroceda e involua numa implosão para dar seu brilho à sua criatura, passando de uma gigante para a invisibilidade, dependência e insignificância de uma anã inexpressiva. O humanoide jamais será uma estrela, quando muito um asteroide, não passará de uma caricatura do homem, não representando nenhum perigo para a humanidade.
